Todos os anos, na festa da aldeia, o povo desejava o mesmo pregador. E a mesma pregação. Pelo menos, a mesma «estória» exemplar: a daquele rapaz que se perdeu na vida, aderiu a uma quadrilha de bandidos e estes, para terem a certeza da sua absoluta fidelidade, lhe exigiram que arrancasse o coração da própria mãe. Depois de cumprir tão arrepiante e macabro desígnio, a caminho do encontro com os facínoras, tropeçou e caiu. E o coração, silencioso até aí, teria inquirido: “Filho, magoaste-te?”. Por esta altura, humedeciam os olhos da vasta assembleia.
Porquê este encantamento com o inusual? Atração do sinistro? Busca de emoções fortes? Sentimento de compaixão? Talvez tudo isso. Mas, porventura, algo mais: aspiração a um elevado timbre de amor, mesmo que na realidade do dia-a-dia se não atinja. É o amor agápico, radicalmente generoso.
Deixando de lado as dimensões de eros e filia, na maior parte das vezes, o amor é um sentimento gerado pela amabilidade dos outros que nos tratam bem, nos acarinham. Uma espécie de correspondência simétrica a quem nos coloca no centro, nos dá estima e nos considera importantes. Nesta visão, não está completamente ausente um certo egoísmo ou egocentrismo da nossa parte. E o sentimento que se gera é fruto deles.
Não assim o amor ágape. Como no caso daquela mãe, não é produto da delicadeza com que nos tratam, mas da grandeza de ânimo, da elevação moral, duma espécie de impossibilidade de responder às ações com baixeza porque lhe é inerente um nível que não pode fraquejar.
O ágape não olha ao eu, mas ao tu. É forte, desapegado, indestrutível. É puro, pois não buca os interesses próprios, mas o bem alheio, mesmo do indigno e celerado. Por isso, é típico de um ser moralmente superior: é mais divino que humano.
Assim sendo, está ao nosso alcance? É possível à nossa natureza decaída? Vale a pena intentá-lo? Não constituirá um sonho do reino do fantástico ou da poesia?
Jesus, verdadeiro Deus, mas igualmente verdadeiro homem, foi capaz dele. Os mártires e tantos heróis, também. E as mães não o vivem frequentemente?
Neste mês de maio, quando a referência é Maria, a «Grande Mãe», aceitemos imitá-la e subamos uns degraus nesta escala da pureza do amor vertido pela dignidade do outro e não pelas «consolações» que ele gera em nós.
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