
Por Alexandre Freire Duarte
( EUA, 2021; Dirigido por Sian Heder, com Emilia Jones, Marlee Matlin e Troy Kotsur)
Após muitos meses (anos?) afastado dos comentários teológicos de alguns dos melhores filmes que iam saindo para as salas de cinema, eis-me de regresso a esse grato labor nas páginas da “Voz Portucalense”, motivado pelos recentes Óscares e com um misto de receio (de não poder prestar este serviço com a regularidade desejada) e ânimo (por voltar a algo que me é muito querido).
Não tinha nenhuma expectativa acerca de que obra poderia vencer o prémio para melhor filme, donde ter sido CODA (acrónimo para, traduzindo-se do inglês, Crianças Com Adultos Surdos) não me causou nenhuma surpresa, tristura ou satisfação. Causou-me, isso sim, espanto, por verificar que, embora retrate a vida de uma família tão diferente das que conheço, tenha espelhado um pouco de todas elas.
A sua história – retratada de modo cuidadoso, autêntico e pungente – é um drama de contornos universais. O do conflito, vivido por uma filha, entre os vínculos com os seus pais e o optar por uma vida que passaria ao lado das expectativas destes. E isto, no meio de um tumulto de emoções juvenis e problemas políticos, comerciais e legais próprios da vida de uma família de pescadores.
As interpretações, levadas a cabo também com três atores surdos entre os principais protagonistas, são expressivas e maravilhosas; a música (em especial com a inclusão dos temas “You’re All I Need to Get By” e “Both Sides Now”) surpreendente e comovedora; a direção e edição precisa e atempada. Tudo isto dá a todo o filme, que pinta a vida das pessoas surdas de uma forma cortante, uma tonalidade realista, que nos insere na dinâmica das personagens, na qual, apesar de distintos nós complexos – como a promiscuidade e gracejos acerca do suicídio e da morte –, um teólogo cristão pode discernir a valorizar positivamente temas de recorte cristão.
Todas as famílias, mesmo as mais cristãs, têm os seus problemas. Dizer o contrário, creio que seria uma mentira. Todavia, todas elas, tal como a dada a ver nesta obra, pode vivê-los com a linguagem do amor flexível, paciente e compassivo que faz crescer, inclusive quando as arestas mais cortantes daqueles problemas parecem estar a romper os vínculos comuns. Os obstáculos, as vergonhas, as desavenças e as incompreensões mútuas são, muitas vezes, difíceis de evitar. Mas o apoio mútuo e os afetos genuínos, arraigados na bondade primigénia que vem de Deus, impedem que as conexões se rompam, antes se solidifiquem (embora de modos que, à partida, eram inesperados).
Crescer, e fazê-lo em família, não é fácil; nem do ponto de vista humano, nem do espiritual. Mas essa é uma das tarefas humanas fundamentais. Neste contexto, aprender e reaprender a comunicar (em fidelidade ao passado, com realismo ante o presente e entusiasmo perante o futuro), permite manter os possíveis equilíbrios pessoais mesmo através das mais difíceis provações e sacrifícios que revelam o que de menos, e de mais, consistente há em cada um de nós.