O teólogo Karl Rahner (1904-1984) disse certa vez, com muita ironia, que se deixássemos de lado a ressurreição de Jesus pouco mudava na teologia e na vida da Igreja.
Por Jorge Teixeira da Cunha
Na pena do grande autor alemão, a observação significava que a teologia era quase só uma discussão de coisas doutrinais e que a Igreja se via a si mesma apenas como instituição visível. Mas podemos perguntar se a nossa vida cristã mudou mesmo nos últimos decénios, de forma a dizermos que hoje já não seria justificada essa amarga observação. Mas então o que significa colocar a ressurreição no centro da vida cristã? Significa muito. Vamos chamar a atenção para algumas opções.
A ressurreição de Jesus é muito mais do que um final feliz que teve lugar depois da sua morte. É o centro da vida divina e humana e não apenas algo periférico e acidental. Tal como podemos apreender desse grande mistério, a ressurreição é o centro da vida de Jesus desde a sua origem. A vida ressuscitada cresceu durante o arco existencial dos seus anos que culminaram na morte. Era como ressuscitado, de forma incoativa, que Jesus dizia palavras de autoridade sobre Deus e sobre a realidade criada, realizava acções de grande poder que curavam pessoas, intervinha sobre o cosmos, caminhando sobre as águas ou dando a vida a pessoas que tinham morrido. Ele não era um taumaturgo com poderes extraordinários. Pelo contrário, o seu agir mostra que Ele vivia no centro da realidade, desde onde Deus é a origem de tudo. Por isso, a ressurreição não é apenas um momento, mas o triunfo definitivo da vida de Jesus Filho de Deus. Sendo o triunfo da vida nele, é também o triunfo da vida como tal. Uma vida que é dele antes de todos os outros, mas que Ele reparte com todos os outros viventes, sobretudo com os humanos em que a vida chega à fé e á liberdade.
Conta-se que o escritor francês André Malraux terá dito que a ressurreição é a ideia mais avançada que foi concebida pela mente humana. Podemos admitir a verdade da afirmação se dissermos que não se trata apenas de uma ideia, mas da culminação da realidade, da qual brota a vida de todos os viventes e de onde provêm todas as ideias dos viventes humanos que podem chegar a elas.
Por isso, a ressurreição está na origem da fé. Não se trata de um acontecimento miraculoso que desencadeia uma crença, mas de uma experiência de plenitude vital que dá o ser humano a si mesmo e que dá origem à comunidade crente que é a Igreja. A confissão de fé e a celebração sacramental que fazem a Igreja são, pois, muito mais do que ritos de pertença a uma comunidade visível. São acções que inovam a realidade: estão na origem da humanidade redimida mas não só: estão na origem da própria criação. O que a Bíblia diz que começou no Paraíso terrestre, realmente refere-se ao jardim do Calvário, onde Cristo foi morto e sepultado.
Há outro aspecto da ressurreição que dá a medida do mistério originário de que estamos a tentar falar. A ressurreição do Senhor não sucede à sua morte, mas coincide com ela. Por isso, não é um final feliz. É um final eternizado, de forma que a morte do Senhor é para sempre a origem da vida e o triunfo sobre o mal. Este vislumbre dá a medida da discrição com que podemos falar destes assuntos. A origem de tudo é um silêncio impenetrável pela nossa curiosidade e pela nossa vontade científica de iluminar e de perscrutar tudo.
A vida da Igreja, comunidade de experiência da fé, fica muito mais densa de significado a partir destas perspectivas. Por um lado, dá-nos a medida da importância do testemunho do Evangelho. Não se trata só de agregar crentes a uma comunidade, mas de dar a viver a vida plena pela graça da fé. Isto é uma responsabilidade tremenda para pastores e para fiéis. Por outro lado, dá-nos também a medida de como o mistério divino precede as nossas acções eclesiais, progride para lá da sua eficácia e talvez as dispense tantas vezes. Deus tem, no seu Filho morto e ressuscitado, caminhos muito diversos para levar à comunhão criadora e redentora os seres humanos de todos os tempos.