A maior parte de nós dá como suposto o que Bento XVI definiu numa frase lapidar, no Parlamento alemão: “A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma”. Estas duas capitais significam a racionalidade, a inteligência a nível da filosofia e do direito; Jerusalém representa a afetividade, o coração, pois foi lá que se vivenciou o “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos”. E por isso se morreu e ressuscitou.
No decurso dos tempos, as sensibilidades culturais ora privilegiam uma, ora outra destas faculdades que se deveriam harmonizar e potenciar. E quando se afastam muito, quase sempre se opõem e guerreiam. Mas, neste choque, quem perde é a pessoa e a sociedade, pois dificilmente nos equilibramos apenas em uma perna.
Desde há trezentos anos, a Europa encantou-se com uma inteligência raciocinante. Aplicou-a à ciência e à organização social. E, de facto, conseguiu coisas belas. A isso chamou “progresso”, uma espécie de divindade para presidir ao novo tempo. Por consequência, desprezou e perseguiu âmbitos onde a racionalidade fria não consegue penetrar, tal como a religião e a espiritualidade. E designou-os como «espaços de irracionalidade».
Sabemos onde levou uma inteligência sem coração: às atrocidades «cientificamente» programadas, à globalização da guerra, à bomba atómica e à civilização do medo. Surgiram, então, tentativas de correção da rota, passando ao extremo contrário. A partir dos anos sessenta, hippies e similares fizeram da irracionalidade afetiva e do lema “paz e amor” um combate cultural de antípodas. Creio que as hodiernas redes sociais, que vivem à base da reação do «like» ou do «gosto», são disso continuadoras.
E no campo da fé? Também já caímos nos dois polos: numa fé intelectual, sem expressões sensíveis, ideológica; ou numa religiosidade sentimental, supersticiosa, sem implicações na vida. A primeira é facilmente varrida por uma qualquer rajada de vento; a segunda pode não ultrapassar o domínio do ridículo. Mas há solução: formar e cultivar a fé, vivê-la socialmente e comprometer-se com ela. Fora desta solução… não sei.
Alguém dizia que a maior distância não é da terra a um qualquer pleneta, mas da cabeça ao coração. Seremos capazes, nós os cristãos, de a percorrer, investindo na formação da fé e no compromisso do seu anúncio e defesa?
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