Investir no Sacramento da Reconciliação

Que é feito do sacramento da reconciliação? Esta é uma pergunta inquietante para todos os cristãos, mas especialmente para as pessoas mais responsáveis da Igreja. De facto, não podemos deixar de observar que se trata de um sacramento em perda de sentido e de frequência, o que dá muito que pensar.

Por Jorge Teixeira da Cunha

Houve um tempo em que as multidões de cristãos acorriam à desobriga quaresmal. Mas perdoem-me a franqueza: a massificação da confissão era já um sintoma de crise. A própria insistência na confissão de todos os pecados cometidos após o baptismo já trazia em si um grave desvio do alvo. Tratava-se de uma preocupação pelo controlo das consciências e de um apelo à conformação social, acento que não é manifestamente o centro teológico do sacramento. No deslocar do olhar para a reconciliação, como a teologia fez no tempo mais recente, já há um grande progresso. Mas esta acentuação não foi assimilada pastoralmente e a cultura pós-convencional em que vivemos não teve condições para o entender, e debandou irresponsavelmente de uma prática que lhe aparecia sob a velha roupagem do controle e, por conseguinte, contrário à autonomia do sujeito e à sua liberdade. O que podemos, então, fazer para propor com sucesso a reconciliação como assunto central da fé e condição essencial para o advento da subjectividade livre e conseguida? Essa é a questão.

Um ponto de partida muito sério para mostrar a pertinência da reconciliação é a evidência do fracasso das relações humanas, seja na família, seja na comunidade política, nacional ou internacional. Os seres humanos sentem que falham na amizade, no amor. Por ódio, por competição, por angústia, agridem-se, matam-se. As guerras entre povos são um facto indesmentível em todas as épocas da história. A identificação e o combate do mal é, em grande medida, ineficaz. Perante isso, a cultura hesita entre fundar-se na liberdade ou no determinismo. O cristianismo implantou-se na cultura greco-latina onde, oficialmente, não havia saída para este problema que não fosse a experiência da tragédia. Ao olhar para o nosso mundo sem o olhar da fé, a tentação do regresso do trágico e do determinismo é muito grande. Esta tentação pode ser expressa, à maneira da poesia, dizendo que no mundo em que vivemos, não há Deus nem diabo e salve-se quem puder. Ou também na famosa afirmação de que o mal se tornou uma coisa banal e que, por isso, não há nada a fazer.

O sacramento da reconciliação funda-se na experiência de Jesus que venceu o mal. Temos de ter cuidado com a explicação que damos para este facto. Jesus não venceu o mal por ter sido sacrificado, no sentido antigo das religiões. Ele venceu o mal porque manteve humanamente a comunhão, criadora e salvadora, com Deus, superando a angústia, a desconfiança, o orgulho humano. Essa experiência, que é a ressurreição, é a definição da vida humana conseguida que está ao nosso dispor no acto de fé e nas formas de vida honesta que muitos seres humanos cultivam para lá da pertença à comunidade cristã visível. Quando Jesus convida à “metanoia”, à conversão, está a dizer que a vida verdadeiramente humana se encontra para lá do nó de angústia que nos corta a respiração e nos mantém adoecidos e pecadores. Mas para manter firmemente essa experiência de ressurreição é necessário o esforço e a contínua disponibilidade para regressar à origem, aí onde se sente a frescura da fonte sempre renovada ad vida, para lá do fracasso do pecado. Isso é a reconciliação que é absolutamente necessária à vida de todos.

Para afeiçoar os crentes ao sacramento da reconciliação há muito a fazer. A pastoral tem de insistir que se trata de celebrar a liberdade e não a submissão. Quando fizemos da confissão um preceito anual administrativo, entramos num caminho sem sentido e sem futuro. Seres humanos culpados até à neurose não faltam, que o digam psicólogos e psiquiatras. É aí que a pastoral tem de mostrar a sua pertinência, não como perpetuação da neurose, mas como forma de superação dela. Não é difícil de mostrar como a difusão do sentimento da reconciliação é decisivo quando queremos livrar os seres humanos dos crimes e dos fracassos que se multiplicam em todos os tempos. Esperamos que nesta Páscoa, vivida com a guerra aqui tão perto, possamos dar a viver a experiência da superação do pecado e torná-la palpável ao nosso tempo que tanto carece dela.