
Por M. Correia Fernandes
Foi inaugurado na sexta-feira, dia 1 de abril, no chamado “Palacete Burmester”, da Universidade do Porto, na rua do Campo Alegre, um espaço a um tempo real e simbólico, designado “Casa dos Livros”, Centro de Estudos da Cultura em Portugal da Universidade do Porto.
Este espaço está construído a partir da reunião de acervos documentais de escritores portuenses, que se afirmaram como principais figuras da literatura e da cultura em Portugal, como Vasco Graça Moura (1942-2014), Manuel António Pina (1942-2012), Óscar Lopes (1917-2013), Eugénio de Andrade (1923-2005), Albano Martins (1930-2018), além de Herberto Helder, o poeta madeirense e do mundo (1930-2015).
Segundo a mensagem anunciadora do evento pela Universidade do Porto, a ”Casados Livros” será um Centro de Estudos da Cultura em Portugal (CECUP), e terá como principal missão promover atividades que impulsionem o estudo multifacetado e interdisciplinar, com novas leituras de obras, correntes de pensamento e ideias literárias e artísticas, tendo para esse efeito prevista a organização de exposições, cursos livres, visitas guiadas e outras atividades de interesse para a Universidade e cidade. A gestão fica a cargo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, cuja função passa por garantir a conservação, acondicionamento, segurança e tratamento dos acervos, bem como a gestão das consultas e requisições. Todos os documentos e obras estarão disponíveis para consulta (no local), pelo público nacional e internacional. A “Casa dos Livros” estará aberta ao público de segunda a sexta-feira, das 14h30 às 17h30.
O acervo do poeta Eugénio de Andrade, agora cedido pela Câmara Municipal do Porto, lembra um dos mais notáveis poetas do século XX, sendo constituído não apenas pelos seus livros e traduções deles, mas também por um conjunto de documentos que o revelam como pessoa e como escritor, como manuscritos e correspondência. A diretora da Faculdade de Letras, Fernanda Ribeiro, assinalou também a disponibilização em breve do acervo de Albano Martins. A inauguração contou com a presença do Presidente da República, do Presidente da Câmara Municipal do Porto e do reitor da Universidade. O espólio de Vasco Graça Moura é já pertença, por doação da família, da Faculdade de Letras do Porto.
Autores ligados ao Porto
É particularmente interessante e simbólico que a Universidade valorize a presença destas figuras cimeiras da cultura portuguesa, que ultrapassam os limites da Universidade e da própria cidade, e que na grande imprensa portuguesa por vezes são menos divulgadas que as que pontificam nos meandros da capital, tal como acontece com as edições e as publicações periódicas.
Uma figura como Manuel António Pina teria obtido maior divulgação e mais fundo conhecimento se o seu centro de escrita e de atividade tivesse sido um periódico da capital. Constitui quase um “milagre” que tenha merecido receber o Prémio Camões, como tinha acontecido com Eugénio de Andrade. Por isso é de saudar a decisão do Presidente da Câmara do Porto Rui Moreira, de articular, com a Faculdade de Letras da Universidade do Porto a criação de um prémio anual para obras que estudem os poetas da Invicta.
Esta é uma oportunidade para relembrar a figura de Óscar Lopes. É conhecida a sua história de vida. Foi homem de pensamento e homem de ação, de infatigável capacidade de leitura e de investigação.
Lembramos que, sendo professor de Filologia Clássica, formado também em Histórico-Filosóficas, a sua docência da língua no então Liceu D. Manuel I levou-o a dois rumos diferentes: à escrita com António José Saraiva da emblemática História da Literatura Portuguesa (1.ª edição da Porto Editora, em 1955, obra pela qual estudaram (e penso que ainda estudem) sucessivas gerações de estudantes, ainda nos tempos em que a língua e a literatura portuguesa não eram estudadas em todas as “alíneas” do ensino secundário; eram-no apenas nos cursos de letras. Mas esta História da Literatura constituiu um modelo de conhecimento, de análise e de divulgação dos autores portugueses.
Lembro que, na sequência das transformações mentais provocadas pelo 25 de abril de 1974, uma delegação dos alunos da Faculdade de Letras foi buscar a casa Óscar Lopes, que apareceu no alto da sua pequena estatura para ser aclamado e reconhecido como professor da Faculdade, de que em breve foi escolhido para Diretor.
Membro reconhecido do Partido Comunista, dirigiu a Faculdade com um espírito de independência e de acolhimento das múltiplas sensibilidades existentes tanto entre o corpo docente e o corpo discente. O seu acolhimento foi uma manifestação de que, mais do que a opção política, se valorizava a sua ação pedagógica e cultural no campo de investigação e divulgação da literatura e cultura portuguesa.
Entretanto, a sua curiosidade tinha-o levado a interessar-se pela Linguística, disciplina que não tinha tido muita fortuna entre nós (os mestres, diziam, eram-no da Filologia, como ouvimos a vários). E a investigação tinha-o conduzido à tentativa de caminhos novos nesse ramo do saber, levando-o a escrever uma “Gramática Simbólica do Português” (editada pela Gulbenkian em 1972) e a lecionar a Linguística nos seus contornos matemáticos.
A sua investigação constante no domínio do estudo dos autores portugueses manifestou-se através da publicação de dois longos volumes da História da Literatura Portuguesa, agora da sua autoria, com alguma colaboração de outros. Esta publicação da editorial Estúdios Cor, datada de 1973, integrava-se no projeto História Ilustrada das Grandes Literaturas, Literatura Portuguesa, de que ele escreveu o 2.º volume, dedicado á Época contemporânea, tendo António José Saraiva escrito a história literária até ao final do séc. XIX. Óscar Lopes começa na geração de 1890, passando á “Geração da República” e seguintes (simbolistas, pós-naturalistas, Presença, e até à atualidade), ao longo de mais de 900 páginas, onde figuram os grandes e os menos grandes escritores, enquadrados nas linhas do desenvolvimento social e cultural do seu tempo.
Entretanto os autores continuavam debaixo do seu ângulo de observação, publicando a sua análise em obras como Ler e depois – Crítica e interpretação Literária, Busca de sentido, Álbum de família, Uma espécie de música (sobre a poesia de Eugénio de Andrade), Entre Fialho e Nemésio, e mesmo uma História Literária do Porto.
Aos alunos de Linguística, que começou a lecionar em 1974-75, com o título “Linguística Matemática e Computacional”, dizia: Eu sei que esta matéria é nova e um pouco árdua. Mas se lhes pode ser útil o meu exemplo, depois de ter escrito muita análise literária (e não o fazia mal, como ouvimos há dias – lembrava João Cabral de Mello Neto que exaltara em encontro na Faculdade a análise que fizera da sua poesia) e agora me interesso por este novo domínio será por que valerá a penas este novo esforço. Aliás os seus trabalhos neste campo conduziram a que os colegas, discípulos ou não, lhe dedicassem os Estudos de Linguística, trabalhos que foram apresentados no Colóquio Internacional em sua homenagem quando se completaria o seu centésimo aniversário. Já antes lhe fora dedicado o volume Entre a Palavra e o Discurso: Estudos de Linguística (1977-1993).
Entre os muitos prémios que mereceu, saliente-se de foi lembrado como “Figura eminente da Universidade do Porto”, em 2018.