
No dia 24 de fevereiro a Rússia iniciou uma agressão em larga escala contra a Ucrânia. Não há dúvidas ou razão para hesitações: a Rússia é o agressor, a Ucrânia a vítima.
Por Maria Isabel Tavares
Docente da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa
Três dias antes, ao reconhecer a independência das regiões separatistas de Lugansk e Donetsk, situadas na região do Donbass, no leste da Ucrânia, junto à fronteira com a Rússia, Putin tinha dado o “tiro” de partida. Na verdade, aquelas regiões eram, desde 2014-2015, palco de violência continuada, de maior ou menor intensidade, sem que os Acordos de Minsk (em que Rússia e Ucrânia assumiam certas obrigações) tivessem sido levados a bom porto ou tomados a sério. Também, é sabido, desde 2014, a Crimeia (península pertencente à Ucrânia e através da qual tem acesso ao mar de Azov e ao estreito de Kerch) foi ocupada e posteriormente anexada pelos russos.
Desde o início da invasão, as reações têm-se multiplicado. Concentro-me, pela proximidade e pertença, na União Europeia e na NATO. Muito para lá daquilo que era antecipável, estas organizações têm sido firmes e unidas na aplicação de um conjunto nunca antes visto de contramedidas económicas particularmente desenhadas para atingir aqueles são o regime russo ou fazem parte da sua entourage. Por outro lado, não de menor importância e igualmente inédito, a União Europeia assumiu que o fornecimento de armamento letal à Ucrânia é necessário, possível, e não significa a participação ativa no conflito.
A rapidez, flexibilidade e coordenação destas decisões só tem uma explicação. Precisamente aquela que não queremos nomear (qual Voldemort no Harry Potter). A Rússia é uma potência nuclear. Sabemos o risco que acarreta qualquer escalada que confronte a Rússia com a NATO. E isso ninguém – políticos, militares, sociedade civil; russos, ucranianos, europeus, americanos, chineses, canadianos – deve ignorar. Por muito e flagrante que seja o inominável.
Entretanto, no terreno, a ofensiva militar prossegue. A Rússia, aparentemente, mais lenta e com mais dificuldades do que terá antecipado. Um mês. Já lá vai quase um mês. Confrontamo-nos com a coragem e firmeza das tropas ucranianas e das suas elites políticas na defesa do seu Estado, da sua existência. Interpela-nos a sua resistência e resiliência. No terreno, os despojos. Vidas, vilas, cidades, infraestruturas – destruídos.
São também os cidadãos ucranianos que fogem. Segundo os dados mais recentes, já ultrapassam os 3,5 milhões de refugiados. Na sua maioria mulheres e crianças. Especialmente vulneráveis. E mais de 6 milhões os deslocados internos.
As negociações têm acontecido, com sinais por vezes contraditórios. E continuarão. Com a Turquia a mediar, quiçá a China que, igual a si mesma, se abstém no Conselho de Segurança, não se distancia da Rússia (no início de fevereiro Rússia e China tinham assinado um acordo de cooperação), mas deixa também claro que não quer ser alvo das ditas “sanções” do ocidente.
Muito se tem falado da racionalidade, ou da falta dela, na decisão que nos trouxe aqui – a decisão da Rússia de invadir a Ucrânia. É difícil jogar com a irracionalidade. Mas, se na nossa resposta não houver racionalidade, já perdemos. Todos.