
Por padre Bruno Ferreira
Por uma definição de sinodalidade
A sinodalidade, termo que significa “caminhar juntos”, é algo de fundamental importância para a Igreja e tem sido colocado no centro das discussões atuais do pontificado do papa Francisco, bem como no centro de toda a Igreja universal e diocesana. Talvez num passado não muito longínquo falar de sinodalidade podia levar-nos a confundi-la apenas com colegialidade episcopal ou com o evento do Sínodo dos bispos e o seu procedimento operativo. Porém a sinodalidade denota o estilo particular que qualifica a vida e a missão da Igreja, exprimindo a sua natureza de Povo de Deus que caminha junto e se reúne em assembleia, convocado pelo Senhor Jesus sob inspiração do Espírito Santo para anunciar o Evangelho e participar na missão da Igreja na comunhão que Cristo estabelece entre nós.
A Constituição sobre a Igreja, Lumen Gentium, afirma que “na dignidade e atividade comum a todos os fiéis na construção do Corpo de Cristo há uma verdadeira igualdade entre todos” (nº 32). Por isso a sinodalidade deve ser expressão do modo de vida e trabalho ordinário da Igreja, na coresponsabilidade diferenciada de todos os cristãos da comunidade; ou seja, todos são responsáveis na Igreja, mas não da mesma forma. Trata-se, portanto, de dar voz a cada pessoa, de criar espaço para a pequena voz que nunca é ouvida, e assim permitir que cada pessoa desenvolva os seus dons e carismas onde quer que esteja. Assim sendo, este desejo eclesial e sinodal aplica-se também à própria celebração dos Mistérios da Liturgia, onde o canto e a música exercem um papel determinante e constitutivo.
O canto da assembleia: um canto de unidade
Celebrar segundo o espírito do Concílio Vaticano II é fazer o esforço contínuo de fomentar a participação ativa de todos, promovendo as aclamações dos fiéis, as respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as ações, gestos e atitudes corporais (cf. SC, nº 30).
Se a música ou o canto produzidos numa assembleia, no interior da celebração, é o sinal simbólico do que se celebra, é-o sobretudo porque se trata da ação de uma assembleia de batizados reunidos num tempo e num lugar em louvor e glória de Deus, no exercício do seu múnus sacerdotal, profético e real, na busca da própria santificação. Este é, sem dúvida, o grande desejo da renovação litúrgica pós-conciliar, ou seja, que os “fiéis celebrem a Liturgia com retidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam, cooperem com a graça de Deus, não aconteça de a receberem em vão. Para que isto seja possível devem os pastores de almas vigiar para que não só se observem na ação litúrgica as leis que regulam a celebração válida e lícita, mas também que os fiéis participem nela consciente, ativa e frutuosamente” (SC, nº 11). Assim “a ação litúrgica reveste-se de maior nobreza quando é celebrada de modo solene com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação ativa do povo” (SC, nº 113). Se o canto da assembleia é um elemento constitutivo da liturgia, então “promova-se muito o canto popular religioso, para que os fiéis possam cantar tanto nos exercícios piedosos e sagrados como nas próprias ações litúrgicas, segundo o que as rubricas determinam” ( SC, nº 118).
Eis a principal preocupação dos pastores a ter na celebração da liturgia: promover e ajudar os fieis no canto comunitário a que têm direito. Pelo canto comunitário se manifesta a comunhão da caridade e se favorece melhor a sua unanimidade, não somente com as mesmas palavras, mas com o mesmo ritmo e no mesmo tom. Deste modo, o canto da assembleia é forma pública da oração eclesial e uma confissão de unidade à volta do Bispo-Pastor, à imagem de Cristo, sacerdote, profeta e rei.
Com o canto da assembleia, que é louvor dos ressuscitados, evoca-se toda a história da salvação, desde o “maranathá” adventício até ao apocalíptico Canto Novo do Cordeiro. Pelo canto a assembleia pode ainda traduzir o louvor, a ação de graças, a súplica, a dor, o luto, alegria, a esperança, a expectativa, a ressurreição, etc. O canto litúrgico exprime sobretudo a Palavra da Salvação e o louvor daqueles que se sentem verdadeiramente salvos, numa exaltação das palavras sagradas. Por isso, tenha-se o máximo cuidado com a música que se quer para o culto sagrado e o Povo de Deus, pois no canto da assembleia está comprometida toda a Igreja.
Vale a pena recordar que a assembleia, com o seu presidente, é o primeiro “ator” do canto litúrgico! É costume ver o canto unânime da assembleia como um símbolo da sua unidade e da sua participação. Se a missão da celebração eucarística é criar unidade entre os fiéis reunidos, levando-os à comunhão com o Corpo de Cristo para se tornarem eles próprios, o canto de todos – a una voce – é a expressão sonora disso mesmo. Quando a assembleia canta na liturgia exprime uma força interpelativa porque sente a emoção de um encontro com o Senhor. Cada membro participante é convidado pela voz do Espírito a construir, cada vez mais, uma assembleia maior e mais viva, e, para isso, torna-se um apóstolo. Cantar o Canto Novo é estar sempre presente ao lado de cada um dos “grandes atores” do presbitério. É estar com os leitores e responder: “Graças a Deus!” É estar com o diácono e responder às suas advertências: “Glória a Vós, Senhor, Ámen, Graças a Deus”; é estar com o celebrante antes e depois das orações, no diálogo da anáfora, no Santus, na conclusão solene da mesma. E com o celebrante rezar ou cantar a oração do Senhor, o Glória e o Credo, etc.
Como já foi referido, dentro destes momentos importantes em que os fiéis são chamados pela liturgia a significar a sua unidade, podemos referir o canto do Sanctus, que responde ao prefácio do sacerdote. Neste momento cantam a uma só voz em união com anjos e santos. O Sanctus é assim a expressão sonora da unidade da Igreja na terra e no céu! É de suma importância permitir que toda a assembleia cante o Sactus. Outro momento significativo é o canto de comunhão ou pós-comunhão. Este cântico – muitas vezes hímnico e estrófico – é a forma de canto de todos e para todos. Após a comunhão do Pão do Céu, os membros da assembleia são chamados a tornar-se naquilo que receberam, o Corpo de Cristo, e a expressar tal realidade cantando um hino de louvor.
É realmente uma questão de dar voz a todos, mesmo a vozes pequenas, por vezes embaraçosas, para que se possam juntar ao grande coro de vozes dos anjos e dos santos. As aclamações e diálogos, que devem ser cantados frequentemente – e sobretudo agora com a 3ª edição do Missal Romano – são também momentos da liturgia em que a unidade do corpo da Igreja se manifesta. O Concílio Vaticano II, que atribui grande importância à participação ativa da assembleia, favorece este modo de participação: “A fim de promover a participação ativa, as aclamações do povo, as respostas, devem ser encorajadas” (SC, nº 30). A mesma importância dá a Instrução Musicam sacram quando afirma que estes cantos dialogados pertencem à categoria de primeiro grau (nº 29). Por isso, faça-se o esforço pastoral e sinodal de se ouvir o canto dos fiéis!
O canto da assembleia: uma divisão de tarefas
Cantar em assembleia não significa que todos devam cantar tudo. Não! Basta olharmos o que diz a IGMR (Instrução Geral ao Missal Romano) e percebemos que o canto sagrado não pode ser feito por todos nem da mesma forma. Por exemplo, os diálogos cantados envolvem uma parceria entre o celebrante e os outros membros da assembleia. Mas ainda existem várias formas de diálogo musical e coral onde o intercâmbio se realiza ou entre o cantor (solista) e o pequeno coro (Schola cantorum), ou entre o salmista e os que cantam a antífona, ou entre um pequeno coro e a restante assembleia, etc. E não falemos da missão dos músicos e instrumentistas, porque nos alargaria a questão. Por isso, são muitos os modos e as tarefas possíveis para se executar o canto de uma celebração. Existe assim uma coresponsabilidade entre os diferentes ministros do canto, de entre os quais alguns possuem maior responsabilidade porque receberam dons e carismas para o bom desempenho da arte musical e canora, que devem colocar ao serviço de todos e da Igreja. Nunca esqueçamos que o Concílio Vaticano II recorda também que cada ministro ou fiel, exercendo o seu ofício, deve fazer tudo e só o que é de sua competência, segundo a natureza do rito e as leis litúrgicas (cf. SC 28).
Concluindo, uma forma de canto em particular que simboliza a unidade dentro da diversidade é o canto em forma de tropário. Na verdade, reúne todos os protagonistas: os músicos para o acompanhamento instrumental, o pequeno coro para a estrofe, a assembleia para o refrão, o cantor ou os solistas para os versos. Esta forma encontra o seu lugar logo no início da celebração, no canto de entrada, por exemplo. Assim, desde o início da celebração, a assembleia dos fieis, todo o Povo de Deus, procurará diligentemente pôr em prática uma imagem sonora da sinodalidade na qual caminhe com harmonia na melodia do Espírito Santo.