Novas armas para a paz

Por Jorge Teixeira da Cunha 

Tomo este título de um dos livros do saudoso teólogo Bernhard Häring (1912-1998), que continha as suas lições da Academia Alfonsiana de Roma, ainda no tempo da chamada guerra fria e de ameaça das armas nucleares. Estávamos no meio dos anos oitenta do século passado e o tema merecia uma atenção que hoje não tem para parte dos teólogos. O conteúdo da obra era a proposta da paz, pelo caminho da não-violência activa. A invasão da Ucrânia pela Rússia veio trazer o assunto para o topo da actualidade. Por isso, vale a pena interrogarmo-nos se tal caminho é ainda uma proposta sensata, tendo em conta a evolução da tecnologia da guerra e o correspondente transtorno dos mecanismos da agressividade humana. De facto, num tempo como o nosso em que a guerra se faz com drones e aviões tele-comandados, as coisas mudam muito de figura.

Apesar de todas estas perguntas, a proposta da não-violência activa continua a ser a via da ética e da moral cristã para a resolução dos conflitos e para a pacificação dos povos em guerra. Apontam-se algumas razões para essa difícil escolha.

A primeira razão é teológica. Não há dúvida que as fontes cristãs nos apontam o caminho do perdão e da não-violência como forma de pacificar os conflitos. Basta olharmos o Sermão da Montanha (Mt 5-7) e o modo como Jesus agiu no seu julgamento. Os cristãos dos primeiros séculos escolheram essa forma de testemunho contra o Império Romano, e não foi só pela desproporção das forças em presença. Após Constantino, a não-violência sobreviveu em diversos movimentos pacifistas que podemos identificar até aos nossos dias. Mais profundamente, podemos dizer que a refundação da natureza humana, operada por Jesus, nos leva na direcção de sanar a agressividade por outro caminho que não a agressão nem a justiça proporcional da chamada “guerra justa”. Há estudiosos que demonstram que a não-violência activa tem sido mais eficaz para pacificar conflitos do que a luta armada.

A segunda razão é de ordem ética. Uma ética é uma proposta de vida sensata para onde se devem dirigir as nossas acções. Ora, uma tal forma de ética para salvaguarda da vida pode ser encontrada tanto na cultura cristã, como na cultura budista, no hinduísmo, na antiga China e noutros contextos. Todos lembramos a grande epopeia da emancipação da União Indiana, conduzida pelo Mahatma Ghandi. Ele, que era um admirador do cristianismo, desenvolveu, desde a sua cultura e religião hindu, a virtude da “satyagraha” como culto da verdade e como resistência civil não-violenta. A virtude da não-violência pode ser proposta mesmo aos militares. Cremos poder identificar militares cristãos que cultivaram esta forma de vida, mesmo dentro das forças militares. Podemos dar o exemplo de S. Martinho de Tours que, no séc. IV, com toda a probabilidade, integrou o exército, mesmo depois do baptismo. Há diversos cristãos canonizados, tendo vivido como militares activos. É o caso de S. Nuno Álvares Pereira.

A terceira razão é a sua exequibilidade. Como se convertem as pessoas à não-violência activa? Isso pode acontercer de diversos modos. Mas o principal é a conversão pessoal. De facto, para fazer a guerra, basta estar integrado numa estrutura de comando e obedecer. O caminho da não-violência é mais difícil, leva normalmente a sofrimentos e pode exigir a “virtude” da desobediência e supõe um regresso à verdade das necessidades e dos desejos humanos. Mesmo que seja difícil, a não-violência é possível. Exige uma espiritualidade e, normalmente, também a fé religiosa. Os Papas João Paulo II foi convictamente promotor da não-violência activa e os seus sucessores têm seguido a mesma via. Mas podemos também enumerar filósofos, como Edgar Morin, e um grande número de cientistas e de agentes de inovação social. Isto sem falar da Igreja que, sobretudo com a sua pastoral das Forças Armadas, tem por missão promover acções de reflexão sobre a pacificação não-violenta das sociedades e dos povos.

Do ponto de vista da moral católica, não há dúvida que o caminho a propor para parar a invasão da Ucrânia, é o caminho da não-violência. Um ditador pode causar muito mal e muito sofrimento. Mas não pode aniquilar um povo munido com as armas da virtude. Para isso tem de ser mover a sociedade ucraniana, a sociedade russa, as respetivas Igrejas e governos, as forças armadas, e todas as forças sociais.