Por Secretariado Diocesano da Liturgia
O que é a Quaresma? Podemos responder a esta pergunta com a ajuda de bons manuais de liturgia e livros de boa divulgação com informações históricas seguras, reflexão teológica profunda e perspetivas pastorais mobilizadoras. São recursos à disposição dos pastores e outros agentes da pastoral litúrgica e de quem deseja conhecer mais profundamente este “tempo especial”, em ordem a vivê-lo e celebrá-lo de modo mais frutuoso e ajudar os outros no mesmo sentido. Contudo, há uma fonte privilegiada da qual todos precisamos de beber: a oração da Igreja. Ninguém como a Igreja conhece por dentro os tesouros que propõe aos seus filhos e este saber está expresso em formas lapidares, cheias de intimidade e beleza, nos textos que a Igreja se deu para a oração pública e oficial. O Missal, a Liturgia das Horas (e, ainda, os Rituais da Iniciação cristã dos adultos e da Penitência) são, portanto, os melhores livros a que podemos recorrer para nos introduzirmos na compreensão e na vivência da Quaresma guiados pela Igreja, Mãe e Mestra insuperável. Limitando-nos ao Missal, nesta nota vamo-nos debruçar um pouco sobre os prefácios deste tempo para saborear esta doutrina em forma de oração. Limitar-nos-emos aos seis prefácios incluídos no Ordinário da Missa.
A Quaresma é um “tempo de salvação” (II) que Deus todos os anos concede aos fiéis (I). É, portanto, um dom de Deus (I, II e V) que cada ano abre à sua Igreja o caminho do êxodo (V). Tal como para o antigo povo de Deus, este caminho passa pela celebração da Aliança, aos pés da montanha santa (V). A Quaresma, portanto, permite aos cristãos, a tomada de consciência da sua vocação e da sua missão. Reunindo-se para cantar o louvor de Deus, para escutar a Sua Palavra e para presenciar as suas maravilhas na celebração dos Sacramentos, a Igreja permanentemente se renova (V).
O ponto focal dessa renovação será, sem dúvida, na celebração dos “mistérios (= sacramentos) da renovação cristã”. É então que os catecúmenos alcançam a plenitude da filiação divina (I) e que os náufragos do pecado e da morte encontram o porto seguro da misericórdia e da paz (VI). Participando nestes mistérios, todos os fiéis – e não só catecúmenos e penitentes – crescerão na graça de filhos de Deus (I).
Esta renovação da aliança na celebração das festas pascais exige que o povo se prepare, purificando o seu coração pela contrição (I e V), pela penitência e pela caridade (II, III e IV). Daí a razão de ser do “deserto quaresmal” (V) com as suas renúncias, as suas tentações e, também, a sua liberdade, despojamento e intimidade. A Quaresma comporta, por isso, um programa com pontos muito concretos: oração mais intensa, caridade mais diligente (I), desprendimento das realidades caducas, jejum, prática da misericórdia…
É luminosa a perspetiva com que se apresentam as práticas ascéticas tradicionais. Não é principalmente uma afirmação voluntarista nem, muito menos, uma expressão de desprezo pelas realidades temporais. A alma destas práticas está na conversão a Deus de todo o coração (II). A penitência quaresmal não é uma autopunição, mas sim uma forma de dar graças a Deus (III). Ao mesmo tempo que estes exercícios de autodomínio nos proporcionam uma mais efetiva e visível liberdade interior, eles dão-nos ainda um meio concreto de imitar a Deus na sua divina liberalidade: a partilha fraterna com os mais carenciados (III). Daí que possamos e devamos dar graças a Deus pelos frutos da penitência (IV); de facto, mais do que obras nossas, as práticas penitenciais são uma graça que Deus nos dá, incluída no dom mais geral da Quaresma.
Todos caminhamos para a Páscoa. Desejamos participar na alegria do banquete do amor divino que então nos é posto (VI). Não deixemos então de percorrer o caminho que a bondade de Deus e a solicitude materna da Igreja nos abre em cada Quaresma.