Domingo V da Quaresma

Foto: João Lopes Cardoso

3 de Abril de 2022

 

Indicação das leituras

Leitura do Livro de Isaías                                                                                             Is 43, 16-21

«Olhai: vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes?»

 

Salmo Responsorial                                                                    Salmo 125 (126)

Grandes maravilhas fez por nós o Senhor.

 

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses                                 Filip 3, 8-14

«Considero todas as coisas como prejuízo, comparando-as com o bem supremo, que é conhecer Jesus Cristo, meu Senhor».

 

Aclamação ao Evangelho           Joel 2, 12-13

Convertei-vos a Mim de todo o coração, diz o Senhor;

porque sou benigno e misericordioso

 

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João                                        Jo 8,1-11

«Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus uma mulher surpreendida em adultério».

«Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra».

«Vai e não tornes a pecar».

 

Viver a Palavra

A porta do Coração Misericordioso de Deus continua aberta e escancarada para nós. Deus não tem medo de mostrar como é grande a Sua misericórdia e o Seu amor, por isso, podemos cantar e aclamar com as palavras do Salmo: «Grandes Maravilhas fez por nós o Senhor». Este Deus surpreendente e misericordioso manifesta as maravilhas do Seu poder, pelo amor desmedido e pelo acolhimento generoso. No centro da mensagem de Jesus não está o nosso pecado e a nossa miséria, mas a infinita bondade e ternura de Deus que convertem a nossa miséria e pecado em possibilidade de vida nova. Por isso, o Evangelho de hoje é uma verdadeira escola da arte de amar e perdoar, de acolher e gerar vida.

«Jesus sentou-Se e começou a ensinar!». Assim aparece Jesus no Evangelho deste Domingo: rodeado pela multidão que acorre ao Templo e sentado para ensinar, não apenas com as palavras cheias de sabedoria e autoridade que saiam da Sua boca, mas com a força do perdão e da misericórdia que levanta os que estão caídos e que faz cair das nossas mãos as pedras do julgamento apressado que ignora a própria fragilidade.

No centro da Liturgia da Palavra deste Domingo está a misericórdia e o perdão que abrem a porta da esperança quando tudo parece perdido. «Olhai: vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes?». Na verdade, muitas vezes o nosso coração parece estar longe desta oferta de vida nova que brota da mensagem evangélica. Como os escribas e fariseus, que trazem uma mulher surpreendida em adultério e arrastada como um objecto que servirá para colocar à prova Jesus, também nós, tantas vezes, vivemos de dedo em riste, prontos a apontar os erros alheios, mas cheios de boas razões quando cometemos os mesmos erros. Por isso, precisamos de nos deixar moldar pela ternura e pela bondade dos gestos e palavras de Jesus para que saibamos encontrar na nossa fragilidade um convite à conversão, fazendo das pedras do nosso caminho, não um obstáculo onde tropeçamos e caímos, mas uma oportunidade de crescimento.

O enigmático gesto de Jesus, que por duas vezes se inclina, escreve com o dedo no chão, se endireita e fala, evoca a dupla descida e subida de Moisés no Monte Sinai para receber as tábuas da Lei «escritas pelo dedo de Deus» (Ex 31,18). A Lei é sinal da misericórdia de Deus e da Sua graça. De modo particular, este gesto simbólico de se inclinar e de se erguer de Jesus, representa o baixar e o elevar de Cristo sobre a Cruz, verdadeira síntese de toda a história da salvação e hermenêutica qualificada do querer de Deus misericordioso e compassivo. O Mestre inclina-se para partilhar a nossa miséria, para imprimir na terra o sinal da sua presença salvadora, para inscrever um futuro no coração da mulher e lhe abrir a porta da esperança.

Como recordou o papa Francisco nas suas catequeses sobre a misericórdia: «não há santo sem passado, nem pecador sem futuro». Não há caminhos sem saída para quem se sabe amado por Deus, pois «o Senhor abriu outrora caminhos através do mar, veredas por entre as torrentes das águas». Em Jesus Cristo, Deus realiza em plenitude esta oferta de vida nova e faz-nos passar pelas águas do baptismo, torrente de graça, para que possamos percorrer com entusiasmo a estrada da santidade.

Baptizados em Cristo, perdoados pelo Seu amor e sustentados pela sua misericórdia, somos chamados a caminhar de olhos fixos na meta que Jesus Cristo nos aponta: «esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta, em vista do prémio a que Deus, lá do alto, me chama em Cristo Jesus».

 

Homiliário patrístico

Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja (séc. V)

Ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio. Retiraram-se todos e o Senhor levantou os seus olhos e fixou-os nela. Já ouvimos a voz da justiça; ouçamos agora também a voz da mansidão. Quão apavorada deve ter ficado aquela mulher quando ouviu o Senhor dizer: quem de vocês está sem pecado, que atire a primeira pedra!

Mas eles olhavam para si mesmos e, com a sua fuga, confessaram-se réus. Deixam aquela mulher sozinha com o seu grande pecado, na presença Daquele que não tinha pecado. E como ela o ouviu dizer: aquele que está sem pecado, que atire a primeira pedra, temia ser castigada por aquele no qual não pode encontrar-se pecado algum.

Contudo, o que tinha afastado de si os seus inimigos com as palavras de justiça, fixa nela os olhos da misericórdia e pergunta-lhe: ninguém te condenou? Contesta ela: Ninguém, Senhor. E ele: Eu também não te condeno. Eu mesmo, de quem talvez temeste ser castigada porque não encontraste em mim pecado algum. Eu também não te condeno.

Senhor, o que é isto? Tu favoreces os pecados? É claro que não é assim. Observa o que segue: vai, e não tornes a pecar. O Senhor imediatamente deu a sentença de condenação, mas contra o pecado, não contra o homem. Pois, se ele fosse favorecedor dos pecados, ter-lhe-ia dito: nem eu te condeno, vai e vive as tuas liberdades; podes estar bem segura da minha absolvição; eu mesmo, peques o que pecares, te livrarei de todas as penas, mesmo as do inferno e dos seus verdugos. Não foi esta a sua sentença.

Não se fixem nisto aqueles que amam no Senhor a mansidão e temem a justiça, porque doce e recto é o Senhor. Tu ama-Lo porque é doce, teme-O também porque é recto. Manso, magnânimo e misericordioso é o Senhor, mas também é o Senhor justo. Ele te dá tempo para a correcção; porém tu amas mais a dilação do que a emenda. Foste mau ontem? Sê bom hoje. Passaste o dia de hoje em pecado? Não sejas assim amanhã.

 

Indicações litúrgico-pastorais

  1. No V Domingo do nosso itinerário quaresmal somos desafiados ao acolhimento e à ternura. Desafiados pela atitude acolhedora e misericordiosa de Jesus, que rejeita o pecado mas acolhe o pecador para que se converta e viva, somos convidados esta semana a superar a rigidez com a ternura para que na nossa vida possamos tocar a carne sofredora de Cristo nos outros. Este Domingo constitui-se como oportunidade para reflectir na revolução da ternura a que nos desafia o Papa Francisco, concretizando-a em gestos concretos, na visita aos doentes ou mais marginalizados da nossa comunidade ou até gestos mais ousados de saída missionária como a visita a alguma casa de recuperação de alcoólicos, de toxicodependentes e até um estabelecimento prisional.

 

  1. Para os leitores: a primeira leitura, depois de uma introdução acerca da acção libertadora de Deus, apresenta a palavra de Deus dirigida ao povo. A proclamação desta leitura deve ter em atenção esta estrutura, cuidando da introdução ao discurso directo – «Eis o que diz o Senhor». Nas palavras dirigidas por Deus deve haver um especial cuidado com algumas pequenas expressões que ajudarão a sublinhar a força deste texto: a forma imperativa – «Olhai» – e a frase interrogativa – «não a vedes?». A segunda leitura, como é habitual nos textos de S. Paulo, apresenta frases longas com diversas orações, pelo que se deve cuidar as pausas e respirações para que não se perca o sentido do texto.

 

Sugestões de cânticos

Entrada: Vinde, Senhor, vinde em meu auxílio – A. Cartageno (CN 1010); Salmo Responsorial: Grandes maravilhas fez por nós o Senhor (Sl 125(126)) – F. Santos (https://ocantonaliturgia.pt); Aclamação ao Evangelho: Louvor e glória a Vós | Convertei-vos a Mim – F. Silva (CN 63); Ofertório: Atténde, Dómine – C. Gregroriano (CN 222); Comunhão: Mulher, ninguém te condenou – F. Santos (BML 65; https://ocantonaliturgia.pt); Pós-Comunhão: O Senhor é clemente e cheio de compaixão – F. Santos (BML 35 | LS-C, p. 70); Final: Ave, Regina caelorum – C. Gregroriano (CN 232).