A mais antiga fronteira

Este ano, faz 725 anos que D. Dinis, rei de Portugal, e D. Fernando IV, rei de Leão-Castela, assinaram (12/9/1297) um tratado que recebeu o nome da terra onde se realizou: Alcanizes, uma povoação leonesa-castelhana, a norte de Miranda do Douro. Nele, foi definida a linha de fronteira entre os dois reinos que se manteve quase inalterada até aos nossos dias. Assim, podemos orgulhar-nos de ter a fronteira mais antiga da Europa.

Por João Alves Dias

Recordei esse tratado internacional quando, no verão passado, subimos com os netos a ‘Serra de Mesas’ para ver a nascente do rio Côa, famoso pelas suas pinturas rupestres. Este rio, que corre para norte, brota da terra a mais de mil metros de altitude e escorre por uma pequena caleira de granito onde todos bebemos e nos refrescámos. Ao longo dos seus 135 quilómetros atravessa terras de Sabugal, onde nasce na freguesia de Fóios, Almeida, Pinhel e desagua no rio Douro em Vila Nova de Foz Côa.

Ali bem perto, nasce o seu “irmão gémeo” – o Águeda – que também corre para norte e, depois de dar uma volta por Cidade Rodrigo (Espanha), vai desaguar no Douro junto a Barca d’Alva, fazendo fronteira entre Portugal e Espanha na fase final do seu curso. Mas não foi sempre assim.

Antes do Tratado de Alcanizes, a nossa fronteira era delimitada pelo rio Côa. A comarca de Riba-Côa, formada pelas terras entre aqueles dois rios, só passou a ser portuguesa após esse tratado. E o rio Águeda substituiu o Côa como fronteira, passando para o domínio português as vilas de Castelo Melhor, Castelo Rodrigo, Almeida, Alfaiates, Sabugal entre outras.

“A altitude e exposição destas encostas da ‘Serra de Mesas’ geram humidade e precipitação elevadas”. Por isso, bem perto de ambos, nasce o rio Erges que corre para sul e, depois de passar pelas afamadas termas de Monfortinho, vai desaguar no Tejo. Se os anteriores, da bacia hidrográfica do Douro, ajudaram a definir a “raia húmida” da Beira Alta, o Erges, da bacia do Tejo, serviu para definir a fronteira da Beira-Baixa. Pelo referido tratado, todas as terras portuguesas da margem esquerda deste rio passaram a ser castelhanas. Conto um episódio que mostra como o povo reagiu a esta cedência.

Apaixonado por castelos, visitei, na margem direita do Erges, Salvaterra do Extremo e não encontrei o castelo que o “Guia de Portugal” dizia existir. Pedindo ajuda na igreja da Misericórdia, o senhor Flores, que se ofereceu para nos acompanhar, perguntou-me: – “Que castelo quer ver? O nosso que é nosso ou o que era nosso mas já não é?” Respondi – “Vinha ver um, mas, se há mais, vamos lá ver os dois.” E fomos. Depois de observar o primeiro de que restam umas paredes, fomos visitar o outro. Subimos a uma colina e, por entre o arvoredo, descortinei um castelo do outro lado, na margem esquerda do Erges. Qual o seu nome? – perguntei. – “Castelo de Penafiel”, respondeu-me. Fiquei emocionado. Há muito que me interrogava sobre a localização deste castelo cujo nome me intrigara e nunca vira qualquer referência.

No regresso, por sugestão do meu guia, provoquei umas senhoras idosas que se aqueciam ao sol. – “Boa tarde! Que bonito é o castelo espanhol!…” – “Não é nada. É nosso. O rei não tinha nada que dar o que não era dele”. E apontando para um monte distante, diziam: – “Portugal ia até lá ao cimo onde está a Cruz de Portugal’”.

Se fosse hoje…