
Nova estrutura valoriza setor da evangelização e da caridade, procurando limitar «carreirismo» nos serviços centrais de governo da Igreja Católica
O Papa promulgou hoje a nova constituição para a Cúria Romana, os serviços centrais de governo da Igreja Católica, assinalando os nove anos de início solene do seu pontificado.
O texto dá corpo a um projeto central de Francisco, que promoveu uma reforma interna com a ajuda de um inédito conselho consultivo de cardeais, representando os cinco continentes.
A nova constituição apostólica ‘Praedicate evangelium’ (Pregai o Evangelho) propõe uma Cúria mais atenta à vida da Igreja Católica no mundo e à sociedade, rejeitando uma atenção exclusiva à gestão interna dos assuntos do Vaticano.
Uma das novidades é o fim da distinção entre Congregações e Conselhos Pontifícios, passando os vários “ministérios” da Santa Sé a assumir a denominação de Dicastérios.
“A Cúria Romana é composta pela Secretaria de Estado, pelos Dicastérios e pelos Organismos, todos juridicamente iguais entre si”, precisa o Papa.
O novo documento condensa várias das alterações implementadas nos últimos anos, ao nível da estrutura da Cúria Romana, e entra em vigor no dia 5 de junho, solenidade litúrgica de Pentecostes.
Francisco, defensor de uma “Igreja em saída”, propõe ao longo dos 250 artigos desta constituição uma estrutura mais missionária para a Cúria Romana, ao serviço das dioceses de todo o mundo.
“A Cúria Romana não se coloca entre o Papa e os bispos, mas coloca-se ao serviço de ambos, segundo as modalidades que são próprias da natureza de cada um”, pode ler-se.
Simbolicamente, o primeiro Dicastério na nova ordem da Cúria é o da Evangelização – que unifica a antiga Congregação para a Evangelização dos Povos e o Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização -, presidido pelo próprio Papa, com dois pró-prefeitos para cada uma das secções deste organismo.
A nova Constituição, que substitui a “Pastor Bonus” de João Paulo II – promulgada a 28 de junho de 1988 – é apresentada pelo Vaticano como “resultado de um longo trabalho colegial”, que se inspirou nas reuniões pré-conclave de 2013, envolvendo o Conselho de Cardeais, com reuniões de outubro de 2013 a fevereiro de 2022, e contributos de todo o mundo.
Francisco cria um novo Dicastério para o Serviço da Caridade – terceiro na ordem -, representado pela Esmolaria Apostólica, que vê o seu papel reforçado dentro da Cúria Romana como “uma expressão especial da misericórdia”.
“Partindo da opção pelos pobres, os vulneráveis e os excluídos, exerce em qualquer parte do mundo a obra de assistência e ajuda-os em nome do Romano Pontífice, o qual, nos casos de particular indigência ou de outra necessidade, disponibiliza pessoalmente as ajudas a serem destinadas”, indica o artigo 79.
O Dicastério para a Doutrina da Fé, segundo a ser elencado, engloba a partir de agora a Comissão para a Proteção de Menores, criada em 2013, que continua a funcionar com suas próprias regras e os seus próprios presidente e secretário, nomeados pelo Papa.
Francisco sublinha que os leigos podem assumir funções de governo da Cúria Romana, por decisão pontificia.
“Todos os cristãos, em virtude do Batismo, são discípulos-missionários, na medida em que encontraram o amor de Deus em Cristo Jesus. Não se pode ignorar isso na atualização da Cúria, cuja reforma, portanto, deve incluir o envolvimento de leigas e leigos, também em papéis de governo e responsabilidade”, destaca o preâmbulo do texto.
O Papa propõe a sinodalidade como modalidade de trabalho habitual para a Cúria Romana, propondo uma “sã descentralização” que ofereça novas competências aos bispos diocesanos e conferências episcopais.
A Santa Sé sublinha, entre outras novidades, a definição da Secretaria de Estado como “Secretaria Papal” e a transferência do Escritório do Pessoal da Cúria para a Secretaria para a Economia, com a indicação de que a Administração do Património da Sé Apostólica (APSA) deve atuar por “meio da atividade instrumental do Instituto para as Obras de Religião”, popularmente conhecido como ‘Banco do Vaticano’.
O Papa consagrada, por outro lado, o princípio de que clérigos e religiosos em serviço na Cúria Romana devem ter um mandato é de cinco anos, que pode ser renovado por mais cinco anos, devendo depois regressar às dioceses e comunidades de referência.
Francisco, que iniciou solenemente o seu pontificado a 19 de março de 2013, tem sido particularmente crítico do “carreirismo” na Igreja Católica – uma das doenças identificadas no seu discurso à Cúria Romana, em 2014
A nova Constituição procede a uma redução de Dicastérios, “combinando aqueles cuja finalidade era muito semelhante ou complementar”, a fim de “racionalizar as suas funções” e “evitar sobreposições de competências”, para tornar o trabalho mais eficaz.
Exemplo dessa fusão é o novo Dicastério para a Cultura e a Educação, que visa promover os valores da “antropologia cristã”.
O já anteriormente criado Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano integral, por sua vez, assume a missão de promover e defender “modelos equitativos de economia e estilos de vida sóbrios, sobretudo promovendo iniciativas contra a exploração económica e social dos países pobres, relações comerciais assimétricas, especulação financeira e modelos de desenvolvimento que criam exclusões”.
A Cúria Romana passa a ser constituída pela Secretaria de Estado, 16 dicastério, três tribunais, os organismos económicos, três departamentos e outras instituições ligadas à Santa Sé.
Francisco apresenta como critérios para desempenhar cargos de responsabilidades nos organismos centrais de governo da Igreja Católica a “vida espiritual, boa experiência pastoral, sobriedade de vida e amor aos pobres, espírito de comunhão e de serviço, competência nos assuntos que são confiados, capacidade de discernir os sinais dos tempos”.
(Octávio Carmo, Agência Ecclesia)