Um luxo… e um tesouro

Por João Alves Dias

Nos tempos mais duros da pandemia, circulou nas redes sociais um texto de autor desconhecido que dizia:

“Fizeram-nos acreditar que o luxo era o raro, o caro, o exclusivo, ter muito, muito dinheiro!

Tudo aquilo que nos parecia inalcançável!
Agora damo-nos conta de que o luxo eram esses pequenos gestos que não sabíamos valorizar/apreciar, porque,

e tão simplesmente, por serem gratuitos!

 

Aprendemos agora que:
Luxo, é estar são!
Luxo, é cumprimentar alguém com a mão!
Luxo, é não pisar nenhum hospital!
Luxo, é poder passear pela orla do mar e ouvir o sussurrar das ondas!
Luxo, é passear pelo parque e conversar à vontade com alguém, sem quaisquer receios!
Luxo, é poder sair às ruas, trabalhar e respirar, sem máscaras…
Luxo, é poder reunir-se com a família! com seus amigos, abraçar, beijar!
Luxo, são os olhares!
Luxo, são os sorrisos!
Luxo, é vivenciar intensamente as nossas alegrias!
Luxo, são os abraços e os beijos!
Luxo, é desfrutar vivamente cada instante, cada amanhecer, cada entardecer!
Luxo, é o privilégio de amar e de estar vivo.
Luxo, é dar mérito aos nossos verdadeiros amigos, e àqueles que nos querem bem!
Luxo, é acarinhar, abraçar os nossos velhinhos doentes, que nos são tão queridos!
Tudo isso é um luxo, e não sabíamos!…
Prisioneiros nos encontramos, na esperança da liberdade, que desapareceu das nossas vidas!…”

 

Recordei este texto, no dia 6 de março, ao ver, na RTP1, uma reportagem na chegada de refugiados

ucranianos ao aeroporto de Lisboa. Registei o testemunho/apelo, num misto de dor e esperança, duma

fugitiva que escolhera Portugal só porque “fica muito longe da minha terra”:

“Apreciem a vossa vida. Sejam felizes! É um tesouro. A vida com paz é um tesouro.

Não é preciso ter muito para ser feliz. Agora percebo isso.”

E poderia acrescentar:

 

Tesouro, é poder deitar-se à noite sem ter medo de ser atingido por um míssil.

Tesouro, é, de manhã, abrir a torneira e ter água para se lavar e para as necessidades domésticas.

Tesouro, é ir ao supermercado e à farmácia e encontrar disponíveis os produtos que se procura.

Tesouro, é poder passear na rua sem o alarme medonho das sirenes.

Tesouro, é ver a sua casa e a sua cidade sem as feridas dos bombardeamentos.

Tesouro, é respirar o ar livre sem ter de se refugiar num ‘bunker’ apinhado de gente angustiada.

Tesouro, é poder sair para o trabalho e, depois de um dia de canseiras, regressar ao aconchego da sua casa.

Tesouro, é poder viver junto dos seus sem necessidade de partir ou de os ver partir rumo ao incerto.

Tesouro, é poder preparar a mochila escolar dos filhos/netos e receber o seu beijo de ‘até logo’.

Tesouro é abraçá-los ao fim do dia e afagar a sua cabecita na hora de adormecer.

Tesouro, é não ver partir para a guerra aqueles que são mais queridos.

Tesouro, é viver em paz sem necessidade de matar para não ser morto.

Tesouro, é não ter de deixar para trás os pais idosos e doentes só porque se quer salvar os filhos.

Tesouro, é poder ver o sorriso das crianças e não olhos esgazeados pelo medo da guerra.

Tesouro, é não ver corpos ensanguentados ou mesmo despedaçados pela violência das bombas.

Tesouro, é estar vivo e em segurança.

 

E veio-me à mente a parábola do “tesouro escondido no campo, que um homem ao encontrar esconde,

e na sua alegria vai, vende tudo quanto tem e compra aquele campo” (Mt 13, 44)…