
João Batista atribui ao Messias o critério de distinguir o bem do mal para que só aquele permaneça: “Aquele que vem depois de mim […] tem na sua mão a pá de joeirar; limpará a sua eira e recolherá o trigo no celeiro. Mas à palha, queimá-la-á” (Mt. 3, 11-12).
Aproveita um gesto ancestral do mundo agrícola para criar uma bela figura: do mesmo modo que o produtor usa um instrumento para atirar ao ar o cereal acabado de debulhar, para que a brisa afaste as impurezas e fique apenas o grão puro e limpo, assim há que expurgar corações, mentes e atitudes para que as escórias não se agarrem ao que é importante. E o que é daninho e danoso não seja tido como bom e suculento.
Este é o grande problema dos tempos e das circunstâncias: o pó da história é tão fino e penetrante que consegue interagir com o essencial a ponto de quase se confundirem. Porque tão subtil, é uma sujidade que não se vê, não se sente, não desperta reação. Mas acumula, aumenta, e distorce a beleza do essencial. E perverte-o.
Para retirar esta contaminação não chega sacudir a superfície com o espanador: é necessária uma complicada operação que a arranque a partir dos fundamentos do interior. O que só os grandes da história conseguem fazer. Melhor: conseguem iniciar, pois a experiência indica que, quase sempre, esta é uma operação para durar séculos.
O Papa Francisco, dádiva ternurenta e carinhosa que Deus concedeu à sua Igreja há nove anos, é um destes reformadores: assumiu o trabalho iniciado pelos antecessores a partir do Vaticano II e agarrou a tarefa da sua «limpeza em profundidade» com tanto empenho que se tornou uma “pá de joeirar”. Perante uma Igreja demasiadamente institucional, hierárquica, clerical, afastada, inflexível e impenitente, procede a um excelente «restauro», realizado na paciência e em profundidade, no qual a renovação, a refontalização, a busca do essencial, a reforma, a participação, a sinodalidade, o diálogo, a procura da ovelha ferida, o ecumenismo, a misericórdia, a compaixão e a preocupação com o humano integral se apresentam como as cores belas do rosto da fé cristã. Como tal, constituintes da sua essência.
Deus o conserve por muitos anos. E disponhamo-nos a atravessar as margens naquele que é o Sumo Pontífice, a grande ponte.
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