
Se a liturgia é memorial da glória de Deus e da obra da redenção, testemunha a sua presença na história. Ora, o ápice da salvação acontece na Páscoa de Cristo, quando a humanidade se reconcilia com o Pai e os próprios seres participam da harmonia e pacificação universal. Entre esta paz de Deus e o mundo está a cruz de Cristo. Deste modo, todas as vezes que a Igreja celebra a Eucaristia, celebra igualmente a paz.
Notem-se, por exemplo, os Ritos da Comunhão: pede-se ao Senhor que dê “ao mundo a paz em nossos dias” e, logo a seguir, invoca-se a garantia de Jesus de nos deixa a sua paz para Lhe suplicar que não olhe “aos nossos pecados mas à fé da [sua] Igreja e lhe [dê] a união e a paz, segundo a [sua] vontade”. O celebrante saúda os fiéis com o tradicional shalom bíblico: “A paz do Senhor esteja sempre convosco”. Troca-se um gesto (abraço) de paz e a assembleia invoca o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” para lhe pedir expressamente: “dai-nos a paz”. E a celebração termina com votos de paz: “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe”.
A Eucaristia exprime, portanto, uma tomada de posição: repúdio de toda a violência e participação no ser e operar de Deus, em Jesus Cristo, Aquele que o apóstolo definiu como “a nossa paz” (Ef. 2, 14). Consiste em reproduzir o seu ser-para-os-outros. Ao contrário da mente do «mundo», a paz não é subjugação do inimigo, mas timbre relacional da pessoa consigo mesma, com a natureza, com os outros e com Deus. De tal forma que ou se verifica esta integridade ou os diversos âmbitos começam a escapar, como farinha em saco roto.
A esta luz, o cristão compromete-se com a denúncia de todo o agressor, coloca-se do lado das vítimas, procura instaurar a justiça violada e realiza as obras de misericórdia em favor dos oprimidos. E reza, pois sabe que as «armas espirituais» possuem mais força para mudar a história do que as maléficas que saem das mãos de homens perversos. Nestas atitudes proactivas é que se destaca o «mais» da fé perante a inoperância de posturas ditas pacifistas, mas que, na prática, apenas pactuam com o agressor ou exprimem o comodismo de quem não se quer comprometer.
A paz não é utopia. É realidade a edificar. Possível e urgente. Mesmo que, por vezes, pareça uma “esperança contra toda a esperança” (Rom 4, 18).
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