Um presépio irmão da natureza e da criatividade

Por M. Correia Fernandes

Muita gente conhece o monte de S. Domingos da Serra, dito também da Queimada, nome cuja raiz se pode encontrar na tradição histórica, mas lembrando por certo a existência de incêndios, o mais recente dos quais aconteceu ainda há poucos anos.

Situa-se na freguesia da Raiva, concelho de Castelo de Paiva, e eleva-se sobranceiro sobre o rio Douro, com paisagens visíveis do norte e nascente até Penafiel e Amarante, até ao Montemuro, até à serra da Freita e do lado poente té Valongo, Gondomar, Porto e até ao Atlântico. É assim sobranceiro por um lado a uma paisagem próxima sobre a qual se eleva, perscrutando-a e abençoando-a, e sobre uma paisagem longínqua em que a natureza e a criatividade humana, os campos e as casas, moradias simples ou ricas, convivem numa irmandade edificante.

Sobre este monte, no último quase meio século, as gentes da freguesia, orientadas pelo então pároco P. José Ribeiro da Mota, valorizaram a histórica ermida dedicada a S. Domingos, que concita grande devoção popular, sobretudo na festa anual que se celebra no primeiro domingo de agosto, com romaria, procissão, preces, devoções e entretinimento comum nas romarias populares. Nele foi construído face ao Douro um anfiteatro, destinado inicialmente a ser palco para a Banda de Música do Pejão, porque ali se situavam as minas desse nome, mas aberto a concertos mais alargados por essa bela tradição das bandas musicais, sobre o vale, com o Douro ao fundo. Foi implantado um carrilhão em estrutura de metal para que soasse, misterioso ou festivo, para tocar o coração dos habitantes. A capela dedicada a S. Domingos, com a presença de várias imagens e mensagens que o recordam, não esquece nem Maria nem Santo António, sempre  protetor.

Neste ambiente edificou no passado Natal a confraria e a comunidade local liderada por gente de iniciativa, criatividade e dedicação, aproveitando o espaço do anfiteatro voltado para o Douro, um grandioso presépio, construído por imagens todas fabricadas de madeira, aproveitando os troncos resultantes das árvores consumidas nos incêndios, que assim passam  de testemunho de uma tragédia a uma original proposta de arte e de fé.

Todas as imagens do presépio, imaginadas e edificadas pela mão do Eng. Manuel Luís, da empresa Manuel Luís e irmão, da Raiva, são construídas por troncos de árvores, adaptados e cada função: aos troncos, aos rostos, aos animais, incluindo a vaca e o burro, mas também animais da floresta como ovelhas e pequenos coelhos. Os Magos afirmam-se à porta, na sua procura e no seu esplendor de peregrinos.

O conjunto, valorizado agora nos tempos do novo pároco local, o jovem padre Tiago Santos (ordenado em 2019), e que associa na sua missão as paróquias de Pedorido, Lomba e Raiva, acolheu a iniciativa, promovendo igualmente a colocação na alameda que conduz à igreja, de uma escultura de S. Domingos, recebendo de Maria o rosário, inspirada certamente nas múltiplas pinturas que ao longo dos séculos interpretaram essa visão do monge e criador de monges medieval, lembrando aos visitantes quer a devoção, quer a prece, quer a memória dos 800 anos de S. Domingos (1221-2021), falecido a 6 de agosto e cuja memória se celebra a 8 de agosto de cada ano.

Em face do bom acolhimento desta ideia, a confraria prepara a construção de uma Última Ceia, também através do aproveitamento de trancos de árvores, para recordar to o sentido da celebração da Quaresma e Páscoa. Um exemplo de como a iniciativa popular, quando bem proposta e acolhida, se transforma em expressão artística e expressão de fé.

Um apelo para uma vista e uma prece pascal.