“Eu não quero ir para a prisão. Mas se for para a prisão por pregar o evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, que assim seja.”(Desmond Tutu)
Por João Alves Dias
Faleceu no passado dia 26 de dezembro. Ativista anti-apartheid e dos direitos humanos, foi o primeiro arcebispo negro da Cidade do Cabo e o primeiro negro secretário-geral do Conselho Sul-Africano de Igrejas. Em 1984 recebeu o Prémio Nobel da Paz pela sua resistência não-violenta ao regime do apartheid; em 1986, o Prémio Albert Schweitzer para o Humanitarismo e, em 2005, o Prémio Gandhi da Paz. Após as eleições de 1994 presidiu à “Comissão para a Verdade e Reconciliação” que investigou os crimes da era do apartheid.
A morte deste paladino da resistência pacífica e da reconciliação das pessoas e dos povos, levou-me a reler as três cartas que Nelson Mandela lhe escrevera da prisão.
. A primeira, estava na ‘Prisão de Segurança Máxima de Pollsmoor’ (6/8/1984), e, procurando iludir a apertada vigilância a que estava sujeito, endereça-a a Trevor Tutu, filho de Desmond e Leah Tutu, com um pedido:
“Ao longo dos últimos dez anos, não há praticamente nada que eu não tenha feito para entrar em contacto com o teu pai, mas todos os meus esforços têm sido em vão. Se esta carta chegar às tuas mãos, quero que ele saiba que é o mais próximo dele que consigo chegar.” ” (“As Cartas da Prisão de Nelson Mandela, página 539)
A tentativa não resultou porque a carta foi retida pelo diretor da prisão que, por telex, a enviou ao Comissário das Prisões dizendo: “O preso continua a tentar estabelecer contacto com o Bispo Desmond Tutu. Agora escreve ao filho”. (Obr. cit. pág. 538)
.Na segunda, (17/1/89), saúda Leah e Mpilo (nome africano de Desmond Tutu) e afirma: “Sois amplamente conhecidos como um casal que se preocupa com a sorte dos outros e que tem servido o nosso povo e o nosso país com notável coragem e humildade.” (Ob. cit, página 623)
.A última (21/8/89), a mais longa, começa assim: “Caros Desmond e Leah, Vocês andam tão atarefados a viajar dentro e fora do país que poucos poderiam imaginar que encontram tempo para cuidar das esperanças e desesperanças, dos sonhos e frustrações, das alegrias e festejos dos outros; e no entanto, é um papel que desempenham na perfeição”. Estas palavras trazem-me ecos da Gaudium et Spes: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem…”.
Para, a seguir, confessar: “ Ao longo dos séculos, e em todos os países, a religião tem sido uma das forças mais poderosas da sociedade, e pode ser que sempre assim continue. Mas há homens e mulheres que têm a capacidade de a tornar ainda mais relevante”.
E termina com palavras de reconhecimento e gratidão: “As Igrejas da África do Sul têm dado um contributo substancial no combate por mudanças concretas neste país, e a Igreja da Província (Igreja Anglicana) tem um lugar de honra nessa galeria. A sua consistência e frontalidade nas questões de âmbito nacional servem de inspiração para todos nós” (Obr. cit, página 652).
Nelson Mandela e Desmond Tutu eram de tal modo solidários nos seus valores que, por vezes, surgiam episódios como o que este contou: “Um dia, em São Francisco, eu estava sentado em silêncio no meu canto, quando uma mulher me abordou. Visivelmente emocionada, cumprimentou-me com um Olá, Arcebispo Mandela”.