Mensagem (155): Inquietações

À poesia não se pede que fixe prosaicamente as nossas confusões deliberadas entre Juno e a nuvem, entre a aparência e o ser. Nem que avie receitas morais ou se limite a sonhos nefelibáticos. Para isto, basta a ideologia. E para retratar, temos as máquinas fotográficas.

O que à poesia diz respeito é fazer observar a realidade sem manipulações, penetrar na vida e na verdade do ser e corrigir rotas desordenadas que se afastaram delas. Compete-lhe inquietar mentes e consciências com as questões que, porventura, ainda ninguém pôs.

Sophia garante que “o artista […] influenciará necessariamente a vida e o destino dos outros”. Como? “Irá contribuir para a formação de uma consciência comum”, de uma maneira de ser humanidade fiel à verdade e ao mundo. Fiel ao ser.

É esta fidelidade que não permite fabular, desprender do real. Se a abstração substitui o concreto, instaura-se o reino das lucubrações, sonhos autistas, corte com o outro, negação do Grande Outro. E porque se perde o vínculo com quem se partilha a vida, estabelece-se o domínio do defeituoso, da injustiça.

A verdade das coisas e do outro é o “círculo onde o pássaro do real fica preso”. Isto no sentido da proximidade, da intercomunicação e da relação harmoniosa que geram libertação e solidariedade. E beleza, moralidade e bem. Ou construção da pessoa como consciência livre.

Sophia chama santidade à busca apaixonada da justiça. A humanidade pode fechar-se ao seu apelo, como parece acontecer em tempos de violência estrutural ou de individualismo narcisista. Porém, porque dotada da bússola de uma consciência que aponta o norte do bem, acaba por se confrontar sempre com a brisa suave do convite a não fugir ao real: “O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias”.

A justiça é a área demarcada pelas coordenadas que enformam o plano que Deus tinha em mente quando criou a pessoa: senhorio respeitoso para com a natureza, fraternidade com quantos se situam ao seu nível e filiação com o Mistério da origem e do destino. Ao prega-lo, não se cria somente fé: também se faz poesia. E ajuda-se a pessoa a ser mais pessoa. Porque a inquieta.

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