Lembremos as Relíquias na Catedral do Porto

Por sugestão de um encontro em Lisboa

Por M. Correia Fernandes

No âmbito do projeto Reliquiarum, promovido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa através do Museu de S. Roque e dirigido pelo Professor António Camões Gouveia, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, realizou-se neste Museu nos passados dias 4 e 5 de fevereiro a primeira “oficina de formação”, seguida de conferências e debate público, sobre relíquias e seus relicários.

Estando guardado e exposto na Igreja e no Museu de S. Roque o rico acervo de relíquias que em 1587 – com pública trasladação em 1588 – D. João de Borja e sua mulher, D. Francisca de Aragão doaram à Casa de S. Roque, dos jesuítas, este era o local por excelência para a realização, quer da “oficina de formação”, quer das conferências e do debate que ocorreram em formato híbrido: com público presencial e online, num total de perto de uma centena de participantes. A partir das questões “Como estudar relíquias? O que estudar nas relíquias? Porquê estudar relíquias?”, foram proferidas, no dia 5, quatro conferências/intervenções públicas, seguidas de debate: a primeira, por António Meira, sobre “As vicissitudes da Coleção de relíquias e relicários de D. João de Borja”; a segunda, por Maria de Lurdes Fernandes, sobre “Relíquias e relicários: devoção e solenidade segundo Jorge Cardoso no Agiológio Lusitano”; a terceira pelo especialista francês, autor e co-autor de vários estudos sobre relíquias, Jean-Pierre Fabre, “Del martírio a la relíquia, de la relíquia al ex-voto: el caso de un martirologio italiano desconocido”.

Finalmente, A. Camões Gouveia fez a apresentação pública do projeto Reliquiarum, incluindo uma base de dados de relíquias e seu portal, em construção num horizonte temporal de quatro anos. Os textos das conferências serão publicados ainda este ano. O projeto é apoiado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que tutela O Museu de S. Roque, cuja diretora, Teresa Morna, esteve sempre presente e proferiu as palavras de abertura e de encerramento. Ficou claramente evidenciada a importância deste projeto e do seu inequívoco contributo para o conhecimento multidisciplinar das relíquias e seus relicários em Portugal e nos espaços de influência cultural europeia.

Relíquias na catedral portuense

Fomos assim alertados para a existência no Museu do Cabido da Catedral do Porto de numerosas imagens e relíquias no seu acervo, e sobretudo para a que se guardava na capela de Nossa Senhora da Saúde no claustro da catedral, visto que se encontra a informação de que na Sé do Porto estão guardadas – já o estavam desde a Idade Média – relíquias de S. Vicente, num relicário que esteve exposto na capela de Nª Senhora da Saúde, no claustro.

Nos arquivos de relicários e imagens da catedral, encontra-se uma pequena imagem de São Vicente, na qual se insere uma relíquia do mártir, que seria para oscular pelos fiéis, na qual está inscrita a menção “Cum reliquiis consecravit” (consagrado com as relíquias). É digna de registo esta tradição de oscular as relíquias colocadas nas imagens dos santos, como há outros na catedral, juntamente com relicários de formatos diversos, como ostensórios ou molduras ornamentadas.

Na capela de S. Vicente, onde agora se encontram os túmulos dos Bispos D. Agostinho de Jesus e Sousa (1942-1952), D. Armindo Lopes Coelho (1997-2007) e D. António Francisco dos Santos (2014-2017), sobressaem, além das pinturas do Calvário e da Ressurreição, os notáveis baixos relevos com cenas bíblicas do Antigo Testamento, (como o sacrifício de Abraão, a venda de José ou a serpente de Moisés no deserto), e evangélicas  (como a Última Ceia, a Paixão, o Pentecostes e a Assunção), rodeando a cena do Calvário. Nela se rezava a oração de Laudes pelos participantes nas celebrações solenes na catedral, presididas pelo Bispo.

Esta referência às relíquias conduz-nos à consideração de que no grande retábulo do altar mor da Sé serão também recolocadas as relíquias de S. Pantaleão, cuja imagem se encontra

no transepto, como documenta a imagem, em relicário que integra o retábulo, cujo restauro será brevemente disponibilizado.

Corrigenda

Corrigendum 1Torna-se necessário pedir desculpa aos leitores por dois lapsos ocorridos nesta página. O primeiro, no número de 26 de janeiro, em que se afirma a presença da estátua de S. Pantaleão no retábulo. De facto, as quatro estátuas ali existentes são as de São Bento, São Bernardo, São João Nepomuceno e S. Basileu, que segundo a tradição teria sido o primeiro Bispo do Porto, discípulo de S. Tiago. Como dizia Fernando Pessoa, “Assim a lenda escorre/ ao entrar na realidade”. O nome Basileu é o substantivo grego que traduzia realeza.

Mas em nicho próprio ali se encontram as relíquias de S. Pantaleão. O conjunto do grandioso retábulo, agora restaurado, estará disponível ainda este mês, merecendo bem o mesmo entusiasmo que mereceu a renovação da igreja de Santa Clara. Importa ir ver a perfeição do restauro que valoriza o original. Atenção especial para o grandioso quadro da Assunção de Maria, padroeira da Diocese e da idade.

Corrigendum 2  – No número anterior, por lapso de paginação, a identificação das duas madonas está trocada: onde se lê Madona de Rafael, deve ler-se Madona de Giotto e onde se lê Madona de Giotto leia-se Madona de Rafael, como se compreende pelo estilo de cada uma delas.