Nosso para sempre Chefe Ângelo

Por padre José Nuno Ferreira da Silva

Raramente venho a esta praça. Hoje, a saudade move-me e faz-me querer partilhar a notícia da Páscoa de um Homem bom, Ângelo Figueiredo, o nosso Chefe Ângelo. Vou sentir a falta da sua profunda humanidade, da sua retidão alta e vertical, como a sua figura – era por dentro como era por fora, agia como pensava e sentia, reflectidamente sempre, sem fingimento nem disfarce, nem cartas escondidas, mesmo nos momentos mais armadilhados, num nível de transparência e autenticidade, coerência e lealdade, que a poucos é dado atingir. Conheci-o era eu ainda um jovem caminheiro e ele o Chefe Regional do Escutismo Católico na Região/Diocese do Porto.

Os anos passaram e, quando fui assistente regional adjunto do outro imenso Ângelo da minha vida – também importante na sua – o Padre Ângelo, o Chefe Ângelo era sempre a primeira e a última instância da concórdia e da sabedoria que ouvíamos, quando o jogo nos interrogava. A sua palavra e as suas palavras valiam, porque valiam o que ele era. O Chefe Ângelo Figueiredo fica na história do CNE, no Agrupamento do Bonfim, na Região do Porto e também nacionalmente, como um ícone revelador do que significa ser dirigente do Escutismo Católico.

Não era beato, longe disso. Mas era profundamente crente e isso fez dele um ponto de luz na vida do CNE, na vida de tantos que atravessámos a juventude através dos caminhos do Escutismo ou servimos o CNE como dirigentes, alguns concretamente assistentes. O nosso Chefe Ângelo era uma fonte e um artesão de pontes. Ontem, fez-se à última ponte da existência humana, a que liga o céu e a terra, o tempo e a eternidade. Ao olhar o céu, ontem à noite, não vi mais uma estrela. O que seremos em Cristo além-morte não é matéria cósmica. Mas gosto de olhar as estrelas como janelas, em que, cada noite, principalmente quando a saudade dos que partem antes de nós é mais viva, eles se debruçam a espreitar cá para baixo, a olhar para nós ainda peregrinos do acampamento eterno, com um olhar luminoso e cheio de benevolência.

Ontem, na estrela-janela em que adivinhava às vezes o Padre Ângelo, nessa estrela no céu noturno, esta noite, adivinhei outro Ângelo, o nosso, o meu para sempre Chefe Ângelo, que tem anjo no nome, mas de facto foi Homem, um Homem grande, um homem bom e reto, um dos melhores homens que Deus me deu conhecer e amar. Um Amigo que se me ofereceu como um lugar de confiança recíproca. Rezo por ele e por todos os que, como eu, sentem já e sentirão ainda mais a sua falta.

Chefe Ângelo, aí onde se encontra, não falte nunca à janela. Ainda que permanecer a olhar para Deus seja o que o coração humano mais radicalmente deseja, à noite, venha à janela. Olhe para nós. Olhe por nós. E conte a Deus, conte-nos a Deus. Naquele modo simples e verdadeiro de dizer e de contar com que nos ensinou a viver. Venha sempre à sua estrela-janela, querido Chefe Ângelo, abra-a de par em par cada noite. Precisamente por isso, por ser de noite. Assim, a noite em que a saudade nos mergulha tornar-se-á luminosa e, lembrando-nos de si, teremos mais um razão para querer chegar, sem medo, confiando, a uma dessas janelas, do lado de lá da morte. Se me deixarem escolher, quererei ficar na mesma que o meu Chefe. Um abraço, Chefe Ângelo, e um beijo à sua Rosinha. Um abraço cheio de esperança.