“Vou abster-me.”, ouviu-se, repetidamente nas últimas eleições…Abster-me? De quê? Da política, não é certamente…
Por João Alves Dias
É vulgar dizer-se que o ‘homem é um animal social’. Porém, o grande filósofo Aristóteles foi mais longe e definiu o homem como um ‘animal político’ (zoon politikon). Qual a diferença? Podemos classificar como sociais os animais que estabelecem relações de interação com os membros da sua espécie, formando grupos. Já animal político pressupõe a existência dum poder organizado, com uma distinção clara entre quem manda e quem obedece. Só o homem o é. Se não, vejamos…
Na dimensão filogenética (evolução da espécie), sabemos que o homem primitivo que vivia da recolha de frutos, raízes e pequenos animais começou por fazer parte duma família que se foi alargando até formar o clã que, mais tarde, dará origem à Nação: os seus membros estão unidos por laços de parentesco, afetividade, cultura, tradições, língua…
Quando começou a caçar grandes animais teve necessidade de formar grupos para conseguir dominar animais bem mais fortes que ele. A caça em grupo exigia uma liderança forte e o melhor caçador assumiu o poder. Assim nasceu a tribo que está na origem do Estado – sociedade politicamente organizada com órgãos soberanos e aparelhos de persuasão (escolas) e de repressão (tribunais): Estado Português, Estado Francês….
Os seus membros estão unidos pelos laços do poder. Segundo a etimologia, político é tudo o que diz respeito à ‘polis’ (cidade), ou seja, ao Estado que goza duma dupla soberania: interna – todas as pessoas e instituições do seu território obedecem às suas leis – e externa – nenhum outro Estado pode interferir nos seus assuntos – o que levou à criação de fronteiras que são linhas imaginárias que limitam e separam os Estados.
A Nação não tem fronteiras. Que o digam os naturais de Tourém, Rio de Onor ou Barrancos…
Na dimensão ontogenética (evolução do indivíduo), logo que somos gerados, entramos no domínio do poder político que, através na nossa mãe, já interfere na nossa vida. Quando nascemos, somos, obrigatoriamente, registados e recebemos um número de cidadão que nos identificará ao longo da vida. Passamos a fazer parte dum Estado. Por isso, todos os nossos atos cívicos têm um significado político. A este propósito, lembro o escritor Agostinho Caramelo. Um dia, quis ir à Galiza com a família e foi impedido porque, na fronteira, a GNR pediu-lhe a documentação da sua filha recém-nascida e ele não a levava consigo. Dizia-me ele: -“Eu nem tinha pensado nisso… Fiquei a saber que a filha não era só nossa…”
Pertencemos a um Estado, quer queiramos quer não. O que varia é o seu regime político que pode ser autocrático ou democrático. Nas autocracias (poder do próprio), o detentor do poder soberano recebe-o por herança, nomeação, cooptação, conquista e considera-o sua propriedade. Nas democracias (poder do povo), quem exerce o poder sabe que o faz por delegação dos cidadãos que o escolheram em eleições livres e universais. Não é dono do poder mas um simples mandatário.
Em que regime quero viver? Então, porquê abster-me de expressar a minha opinião através do voto? Se não me identifico com nenhum partido, tenho sempre a possibilidade de recorrer ao ‘voto em branco’ – a forma mais inequívoca de afirmar o meu protesto.
Abdicar do voto é um ato político de quem não cumpre um dever de cidadania e recusa o direito que está na base da democracia e muito custou a ganhar.