
Falar em sinodalidade é falar em Igreja e falar em Igreja é falar em Liturgia: «Ecclesia orans». «A Igreja é sínodo» – dizia São João Crisóstomo que explicava: Igreja é «nome que indica caminhar juntos (sínodo)». Igreja é a «assembleia convocada para dar graças e louvores a Deus como um coro, uma realidade harmónica onde tudo se mantém unido» (Comissão Teológica Internacional [CTI], A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, 2018, n. 3).
Se «a principal manifestação da Igreja – em concreto: de uma Igreja particular – acontece na participação plena e ativa de todo o Povo santo de Deus nas mesmas celebrações litúrgicas, sobretudo na mesma Eucaristia, numa única oração, ao redor do único altar a que preside o Bispo rodeado pelo presbitério e pelos ministros» (SC 41), a principal manifestação da Igreja toda – a «católica» – é uma grande «concelebração» «cum Petro et sub Petro», ou seja, sob a presidência daquele que preside à comunhão universal na caridade, o Bispo de Roma. De facto, a «legítima» celebração eucarística faz-se sempre «una cum papa nostro» – em união com o Papa e todos os bispos – e esta menção não se pode omitir na oração eucarística. A Igreja nasce e renasce em cada Eucaristia como «sínodo», corpo daquele que é «o Caminho» para prosseguir na história a peregrinação sinodal em comunhão e convergência, até que Cristo seja tudo em todos e com todos chegue à doxologia na qual, pelos séculos dos séculos, se entrega e devolve em total louvor, honra e glória ao Pai, na unidade do Espírito Santo.
Vale a pena reler aqui a reflexão da CTI, A sinodalidade. Transcrevemos o n. 109:
«A reunião eucarística é a fonte e o paradigma da espiritualidade de comunhão. Nela, exprimem-se os elementos específicos da vida cristã chamados a plasmar o affectus sinodalis.
a. A invocação da Trindade. A reunião eucarística inicia com a invocação da Santíssima Trindade. Convocada pelo Pai, em virtude da Eucaristia, a Igreja torna-se, na efusão do Espírito Santo, o sacramento vivo de Cristo…. A unidade da Santíssima Trindade na comunhão das três Pessoas divinas manifesta-se na comunidade cristã chamada a viver “a união na verdade e na caridade” (GS 24), por meio do exercício dos respetivos dons e carismas recebidos do Espírito Santo, em vista do bem comum.
b. A reconciliação. A reunião eucarística propicia a comunhão através da reconciliação com Deus e com os irmãos. A confessio peccati celebra o amor misericordioso do Pai e exprime a vontade de não seguir a via da divisão causada pelo pecado, mas o caminho da unidade… Os eventos sinodais implicam o reconhecimento das próprias fragilidades e o pedido do perdão recíproco. …
c. A escuta da Palavra de Deus. Na reunião eucarística, escuta-se a Palavra para acolher a sua mensagem e com esta iluminar o caminho. […] A estrutura dialógica da liturgia eucarística é o paradigma do discernimento comunitário: antes de se escutarem uns aos outros, os discípulos devem escutar a Palavra.
d. A Comunhão. A Eucaristia “cria comunhão e propicia a comunhão” com Deus e com os irmãos (João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 40). Gerada por Cristo mediante o Espírito Santo, a comunhão é participada por homens e mulheres que, possuindo a mesma dignidade de batizados, recebem do Pai e exercem com responsabilidade diversas vocações – que brotam do Batismo, da Confirmação, da Ordem sacra e de específicos dons do Espírito Santo – para formar um só Corpo de muitos membros. A rica e livre convergência dessa pluralidade na unidade é aquilo que deve ser ativado nos eventos sinodais.
e. A missão. Ite missa est. A comunhão realizada pela Eucaristia impele à missão. Quem participa do Corpo de Cristo é chamado a compartilhar com todos da sua alegre experiência. Todo o evento sinodal impulsiona a Igreja a sair do acampamento (Hb 13, 13) para levar Cristo aos homens que esperam a sua salvação. Santo Agostinho afirma que devemos “ter um só coração e uma só alma no caminho para Deus” (Regra, I, 3). A unidade da comunidade não é verdadeira sem este télos interior que a guia pelas veredas do tempo em direção à meta escatológica de “Deus tudo em todos” (1 Cor 15, 28). É preciso sempre deixar-se interpelar pela pergunta: como podemos ser verdadeiramente Igreja sinodal se não vivemos “em saída” em direção a todos para ir juntos em direção a Deus».