
Um mundo de hoje é um mundo de múltiplas comunicações. Não se deduza, porém, que é um mundo de comunicação, no sentido mais completo e mais complexo.
Por M. Correia Fernandes
No número passado lembramos a mensagem do Papa Francisco para 56.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, este ano a celebrar no dia 29 de maio, Solenidade da Ascensão do Senhor, como é tradicional.
É significativo que a sensibilidade da mensagem tenha feito recair a sua focagem no escutar e no coração. A nossa comunicação preocupa-se mais com o falar ou dizer ou transmitir ou influenciar do que com o escutar. Escutar é uma atitude de procura da verdade, falar é atitude de impor e ou de impor-se.
O Padre António Vieira assinalou um dia que “Duas cousas há nos homens, que os costumam fazer roncadores, porque ambas incham: o saber e o poder”. Muitas vezes solta-se a palavra para a busca de afirmação pessoal, de influência e de poder.
Porém, a visão de Francisco não se situa apenas no ouvido, nem sequer no entendimento, mas no coração. É essa a sua novidade, à semelhança do que acontece em tantas outras mensagens: há sempre um olhar novo, uma atitude nova, ou uma nova maneira de traduzir as propostas antigas. Há sempre uma encarnação concreta dos conceitos teológicos, habitualmente assumidos como princípios ou fundamentos, mas que importa transformar também em formas de pensar e de sentir assumidas e transformadoras.
Por isso assinala que “a escuta é o primeiro e indispensável ingrediente do diálogo e da boa comunicação”. Foi assim que João, o evangelista e o comunicador da mensagem, apelava aos seus discípulos: “O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão connosco” (I Jo, 1,3).
Por isso afirma Francisco: “Também na Igreja há grande necessidade de escutar e de nos escutarmos”.
É essa também a proposta de um pequeno livro cujo título afirma: “A Comunicação da Igreja é um encontro”(1). O escutar é também uma forma de encontro. Por isso o autor acentua a cultura do encontro como regresso ao essencial, buscando-a a partir das comunidades primitivas e da Palavra de Deus no Novo Testamento, em quatro pontos de apoio e de análise: a ontologia (vida de Deus que se comunica), morfologia (a incarnação da fé) antropologia (caminho da relação humana) a fenomenologia, encontro com as dimensões do habitar o mundo, e por fim o encontro como realidade escatológica. Reconhecendo o desencontro dos nossos dias, percorre o conteúdo das sucessivas mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, desde o Vaticano II e a passagem à era digital, nas mensagens de Bento XVI e Francisco. Este confronto da mensagem evangélica com o mundo, buscada em momentos textuais, como o tempo e o espaço do “levanta-se e anda” ou da “hora sexta” ou do crescer em estatura e graça, conduz justamente è proposta do ouvir com o coração buscado no encontro dos discípulos de Emaús “ardia-nos o coração quando Ele nos falava”.
Na proposta do autor, importa partir do “informar o que fazemos” para o “comunicar o que somos”; importa criar uma “linguagem como forma de relação”, e a procura de “habitar os lugares comuns”, apresentando quatro desses lugares que importa habitar no tempo de hoje: a peregrinação, fragilidade, o desporto e a cultura digital.
No dizer de um “posfácio” de Massimiliano Padula, da Universidade Lateranense, este estudo percorre territórios interdisciplinares, como a Teologia, a Sociologia, a Filosofia, a Semiótica e a Pedagogia. Ou no dizer do prefácio de Inês Espada Vieira, da Universidade Católica, “outra imagem que nos fica desta obra é a do coração”.
Esta visão englobante, em que a linguagem da evangelização procura ser inserida nos contornos e nos conceitos de uma sociedade mediática que parece passar ao lado dos conceitos e da forças dinamizadoras de mensagem bíblica, torna-se assim um caminho que vai de encontro, antecipadamente, ao conteúdo da última mensagem de Francisco: a sua inclusão nos parâmetros da linguagem moderna , na capacidade de a escutar e de prestar ouvidos, no dizer de D. Bonhöffer, referido no texto. Há pois uma confluência entre o escrito de Pedro Guimarães e a ulterior proposta do papa Francisco, o que traduz a oportunidade deste livro, sobretudo num tempo como este dos dias que correm, em que a profusão e vacuidade das palavras torna difícil a escuta.
(1) Pedro Guimarães, cm, A Comunicação da Igreja é um encontro, Paulus editora, 2021, 171 p. Apresentado na paróquia de Paranhos, em 25 de janeiro de 2022, festa da Conversão de S. Paulo. Pedro Guimarães é membro da Congregação da Missão e atual Presidente da CIRP – Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal, em Viseu.