Olhemos retroativamente as sondagens e os resultados eleitorais

Por M. Correia Fernandes

As sondagens de intenção de voto são costumeiras, sobretudo em tempos eleitorais, ainda que ocasionalmente surjam também ao longo do ano, no sentido de avaliar a percepção da aceitação ou rejeição dos partidos, ou os resultados das formas de governação. Ou a simples curiosidade social que alimenta a intervenção política e o interesse mediático. Os brasileiros chamam-lhes “pesquisas” (de opinião), com as mesmas intenções.

Várias entidades desenvolveram processos que permitam captar a opinião coletiva de uma forma aproximativamente verdadeira. Umas com maior rigor de estudo e análise, outras com caráter mais superficial. É obrigatória a apresentação, com os resultados revelados,  da ficha técnica em que se fundou a recolha e o tratamento dos dados, e não apenas os resultados obtidos para a intenção de voto em cada partido, acompanhados do número de indecisos, e daqueles designados N/S (não sabe, não responde). Todas apontam no final conceitos como erro máximo (geralmente baixo, da ordem de 2-3%) ou “nível de confiança” (geralmente alto, da ordem de 95%). Apresentam-se também cenários da distribuição dos assentos parlamentares, geralmente com intervalos alargados.

Devemos reconhecer que várias das sondagens publicadas se têm aproximado, com algumas excepções, dos futuros resultados, sobretudo as que são efetuadas “à boca das urnas”. Quando a diferença entre os resultados propostos e os reais é bastante notável, é normal desvalorizá-las e acusá-las de erro ou de intenção enganosa.

Há um dado essencial, que nem sempre é valorizado por quem lê ou interpreta os valores anunciados: trata-se do número de inquéritos validados. A interpretação da fiabilidade de uma sondagem tem de passar por esse dado. Nas sondagens até agora reveladas, a mais credível é certamente a da Universidade Católica, tanto pelo rigor manifestado na recolha dos dados, apesar do processo de recolha aleatória por números de telemóvel induzir uma possível causa de falhas na raiz. Porém saliente-se a importância do número de inquéritos validados, que tem sido sempre superior a 1200, o que merece maior credibilidade do que outros números de entrevistas claramente insuficientes para uma leitura fundamentada.

Com preparação técnica para análise dos resultados eleitorais, proponho que o leitor faça um confronto das sondagens divulgadas e depois com os resultados reais. Claro que esta leitura “a posteriori” não atrai tanto o interesse como quando a sondagem é revelada.

Claro que os resultados reais dependem de numerosos factores estranhos à eleição e que não terão sido considerados nas sondagens: os efeitos da pandemia, o voto antecipado, os votos dos confinados, a sobrevalorização dos cadernos eleitorais, os números da abstenção (geralmente não analisados ou valorizados nas sondagens), a possibilidade/impossibilidade de votar.

Convém também lembrar que as sondagens constituem sobretudo um instrumento de trabalho para os responsáveis partidários, que possuem também as suas próprias sondagens e estudos de opinião, em confronto com a mobilização dos militantes e a resposta nos comícios, que geralmente todos afirmam ter sido “a maior de sempre” e nunca terem visto tão grande entusiasmo. Para o cidadão comum como nós, subsiste a curiosidade na expectativa e a justificação dos dados obtidos e confrontados com a realidade.

Façamos então esse exercício.

SONDAGENS

Sondagem 1 –  UCP

Para RTP, Antena 1 e Público, no início de janeiro de 2022

PS – 38%; PSD – 32%; CDU  –  6%;  BE  – 6%  Chega – 5%  IL – 5%  PAN  – 2% CDS – 2%  Livre  – 1%

Nº de inquéritos validados – 1238

Sondagem 2 – UCP

Para RTP, Antena 1 e Publico, entre 6 e 10 de janeiro de 2022

PS – 39%   PSD  – 30%  BE – 6%  Chega 6%  CDU – 5%  IL – 4%  PAN – 3% CDS – 2%

N.º de inquéritos validados  – 1246

Sondagem 3 – UCP

Para RTP, Atena 1, Publico, 12 a18 Janeiro

PS –  37%   PSD – 35%  Chega –  6%  CDU –  5%  BE  – 5%  IL –  5%  CDS –  2% PAN –  2%  L – 2%

Número de inquéritos validados – 145

Sondagem 4

Para JN / DN / TSF, 16 a 21 de janeiro

PSD – 34,4  PS – 33,8  CH –  8  BE  – 6,6  CDU – 4,5  PAN  – 3,6  IL – 2,8  CDS  – 1,6  L – 1,4

Número de inquéritos validados – 965

Sondagem 5

Metris, para SIC/Expresso , entre 18 e 24 de janeiro 2022

PS – 35%; PSD – 33%; Chega  – 6%; IL – 6%; IL  – 6%; CDU – 6%; BE – 5%; CDS – 1%; Livre – 1%

Número de entrevistas validadas – 1003

 Sondagem 6

UCP para RTP, Público e Antena 1, 19 a 26 de janeiro

PS – 36%; PSD – 33%; IL – 6%; Chega – 6%; BE – 6%; CDU – 5%; CDS – 2%; Livre 2%; PAN – 2%

Número de inquéritos validados – 2192

Notava-se então uma evidente  proximidade de resultados, com pequenas variações, com excepção do sondagem 4, que invertia os valores relativos ao PS e PSD.

Sondagem 7

Empresa Pitagórica, para TVI/CNN

27 e 28 de janeiro de 2022

PS – 36,7%; PSD – 31,8%; BE – 5,1%; CDS – 1,4%; CDU – 5,7%; Chega – 5%: IL – 5,25 PAN – 1.2%

152 entrevistas diárias

Sondagem “à boca das urnas”

UCP/RDP/ Antena1

PS – 37 a 42%; PSD – 30 a 35%; Chega – 5 a 8%; IL – 4 a 7%; CDU – 3 a 5; BE – 3 a 6%; PAN e Livre – 1 a 3%.

Na previsão dos deputados já se apontava para maioria absoluta do PS.

Confronto com os resultados reais

PS – 41,7%  (Dep. 117); PSD – 29,3% (76); CH – 7,2% (12); IL – 5% (8); BE – 4,6% (6); CDU – 4,4%; (6) CDS – 1,3% (0); Livre – 1,3% (1); PAN – 1,5% (1).

Podemos deduzir que houve aproximações (Sondagens 1 ,2, 6 e 7) e afastamento (sondagem 4), e que as sondagens à boca das urnas se aproximaram do resultado final.

Registe-se a descida da abstenção (42,04%, contra 45,5 em 2019), o que, tida conta do reconhecido excesso dos cadernos eleitorais (presume-se que contenham ao menos um milhão de eleitores a mais), e tida conta também da votação em tempo de pandemia e de confinamentos, e mesmo de alguma dificuldade registada nos votos dos residentes em outros países, se pode considerar razoável, excepto nas ilhas, onde foi mais elevada, ultrapassando os 50%.

Resta-nos agora a expectativa de uma governação justa, equilibrada, orientada para o bem comum, liberta de quezílias partidárias tantas vezes anquilosantes para a ação governativa.

E já agora um governo mais pequeno para ser mais eficaz.