Submissão e resistência

Por João Alves Dias

O texto publicado na VP a propósito da morte do cardeal Alexandre dos Santos, arcebispo emérito de Maputo, fez-me rebobinar o tempo e recordar o Dr. Franclim que conheci em 1973, na faculdade de filosofia de Braga, onde foi meu professor. Jamais o esqueci: simples, acolhedor, discreto, afável, sorriso no rosto. Dizia-se à boca pequena que Salazar o proibira de regressar a Angola, e que não podia sair de Braga.

Nossos caminhos não mais se cruzaram. Só em 2006, aquando da sua morte, soube que, após a independência de Angola, tinha regressado à sua terra de Cabinda e, em 1975, fora ordenado bispo. Nomeado arcebispo de Huambo em 1977 aí permaneceu até que, em 1986, foi transferido para a arquidiocese de Lubango.

Estas memórias levaram-me a recordar a conferência “As missões cristãs nas colónias portuguesas de África – submissão e resistência ao Colonialismo durante o Estado Novo” que havia lido no 7Margens. Nela, Frei José Nunes, dizia:O Arcebispo de Luanda, D. Moisés Alves de Pinho – natural de Fiães, Feira – sempre defendeu o seu Vigário Geral, Padre Manuel das Neves, mas isso não impediu a sua vinda forçada para Portugal, aliás como o P. Manuel Franklin, ambos acabando por ser ‘colocados’ com residência fixa em Braga”.

Nessa conferência, o autor afirmou que as “sucessivas teologias da missão são facilmente reconhecíveis na presença de três igrejas no contexto colonial lusófono. Poderíamos designá-las por Igreja colonial (ou Igreja dos brancos), Igreja evangelizadora (ou Igreja dos autóctones) e Igreja profética (ou Igreja da resistência).

A propósito da “Igreja profética” em Moçambique, destacou a ação doutro bispo natural da Feira – Milheirós de Poiares – D. Sebastião Soares de Resende que, em 1944, escreveu: «impera a escravatura na Beira! Não há maneira de se convencerem de que os pretos são pessoas humanas», e, em 1956, disse: «A escravatura existe em Moçambique, não há dúvida, e em forma bem rígida».

Frei José Nunes afirmou ainda que, em 1967, o bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, também ele natural da nossa diocese – Aboim, Amarante -,“deu continuidade à acção de D. Sebastião, o que lhe valeu forte repressão e vigilância por parte do Estado Novo”.

Continuando em Moçambique, realçou ainda “as denúncias que os chamados ‘padres do Macuti’ fizeram dos massacres de Mukumbura em Novembro de 1971”, e não esqueceu o Padre Adrian Hastings que deu a conhecer “os horrendos massacres de Wiriyamu” em Dezembro de 1972.

Já no que respeita a Angola, realçou que a PIDE, em 1961, expulsou e exilou em Portugal “três padres, professores no Seminário Maior de Luanda” com destaque para Joaquim Pinto de Andrade que esteve preso no Aljube e Alexandre do Nascimento que, “vinte anos mais tarde, foi feito arcebispo e cardeal de Luanda”.

E, em jeito de síntese, concluiu:

“A Igreja conheceu momentos de grande entendimento e submissão ao ‘Estado Novo’ mas também assumiu posturas críticas de profundo distanciamento das políticas governamentais”.

A mesma atitude se verificou na Metrópole. E ficaram bem conhecidos os nomes mais proeminentes desta dicotomia…