Conta-se que um companheiro de São Francisco de Assis, no sagrado ardor de «aproximar» as almas de Deus, pediu ao Seráfico Pai o deixasse acompanhar para ver como este pregava e, assim, também ele passar a converter muitos afastados. Francisco consentiu. Ao longo de uma semana, percorreram caminhos, saudaram pessoas, socorreram pobres, rezaram, contemplaram. Mas discursos empolgados a multidões, nada. Até que o companheiro inquiriu do fundador quando é que ele começaria a pregar. Francisco ter-lhe-á respondido: “Irmão, a pobreza que vivemos, a simplicidade de vida que cultivamos, o amor que difundimos, os louvores divinos que entoamos, o bem que espalhamos não são a melhor forma de falar de Jesus?”.
De facto, o Ocidente foi e é eminentemente racionalista: busca ideias “claras e distintas”. E o próprio anúncio da verdade sobre Deus interligou a inteligência com a fé: “compreender para crer e crer para compreender”. E na base deste processo está sempre a palavra expositiva e argumentativa. Embora esta também possua o seu valor insubstituível.
A problemática da forma do anúncio da verdade em que se crê coloca-se, especialmente, da parte dos leigos. Devem ir para a praça pública falar de Deus? Ou é suficiente que a sociedade descubra uma específica fé por detrás das suas atitudes justas e sensatas?
Há espaço para as duas vias da comunicação. Por exemplo, na família, na relação com os filhos, a palavra testemunhante é insubstituível. E o mesmo se diga na relação com os amigos mais chegados e sempre que vier a propósito. Entretanto, nos grandes ambientes, pode não ser funcional o uso da palavra, mas sim o falar de Deus mediante as tais atitudes que exprimem uma vida de fé. E pôr as atitudes a falar é mais difícil do que o uso da palavra.
Mártir significa, simplesmente, testemunha. O mártir não procura a morte. Mas, em certas circunstâncias, a convicção da verdade em que acredita pode fazer perigar a sua vida. Se o matam, então o silencioso testemunho da sua adesão existencial a Quem crê fala mais intensamente do que todas as palavras que poderia ter pronunciado.
Razão tinha S. Francisco ao dizer aos irmãos: “Pregai sempre. Se for preciso, pregai também com palavras”. Porque estas, em muitas circunstâncias, vêm em segundo lugar.
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