Retábulo da Sé do Porto retoma o brilho antigo

Por M. Correia Fernandes

A frontaria da Catedral do Porto exibe um escrito que muitos veem,  mas em que poucos reparam e menos conseguem entender. Diz assim, em sofisticada linguagem latina:

PRAESULIS HAUD DEXTRA, SED SEDE VACANTE REVIXI;

DEXTRA OPERI TANTO NUM FORET UNA  SATIS?

ANNO 1722

Traduzindo livremente: “Sem a mão do Bispo, mas com a sé vacante, eu revivi; uma só mão seria suficiente para tão grande obra?” Este “EU” é a personificação da própria catedral que fala.

A frase lapidar dá conta de um conjunto de factos históricos ligados à catedral do Porto. O primeiro é o do restauro que a fez reviver, ocorrido ao longo dos séculos XVII e XVIII.  O segundo é a menção inscrita na frontaria que revela a conclusão das obras da fachada principal (1722), estando a diocese em situação de “sede vacante”, isto é não estava designado Bispo diocesano, razão pela qual fora o Cabido a assumir a responsabilidade das obras, cuja referência assinala a conclusão do que valoriza a nova fachada da Sé, onde avulta a bela rosácea que a passou a engrinaldar. Subliminarmente o escrito exalta a ação do Cabido que, mesmo sem Bispo, conseguiu realizar “tão grande obra”, desvalorizando a ausência do Bispo (“bastaria a mão de um só?”, interroga). O terceiro aspecto é a construção nos anos subsequentes do esplendoroso retábulo do altar mor.

A construção do grande retábulo

Ação do cabido conduziu também, nos anos seguintes à construção e instalação do grandioso retábulo do altar mor, certamente um dos maiores e mais brilhantes de toda a ornamentação barroca nas catedrais portuguesas. Estudado por reconhecidos especialistas, entre os quais Reynaldo Santos e recentemente Natália Marinho Ferreira Alves, sobressaem nele, para além dos três andares da sua composição, quatro grandiosas imagens (S. Bento, S. Bernardo, S. João Nepomuceno e São Pantaleão, antigo patrono da cidade),  enquadradas pelas seis poderosas colunas salomónicas de várias dimensões,  ao gosto barroco, as centrais sustentadas por grandiosas figuras de anjos e encimadas pelo baldaquino que enquadra a grande tela representando a Assunção da Maria, a padroeira da cidade. O retábulo foi construído entre 1727 e 1729, tendo sido obra concluída pelo entalhador Miguel Francisco da Silva. Reynaldo Santos compara a sua estrutura e grandiosidade à composição de um glorioso prelúdio e fuga de exaltação e júbilo.

Obras em curso

Sé do Porto tem, vindo a ser alvo de obras de reabilitação desde abril de 2021. A intervenção na Capela-Mor confirmou existência de pinturas murais em toda a abóbada, que foi necessário solidificar por se encontrar em risco de desmoronamento. Construída a partir de 1606, acrescentada à estrutura romano-gótica dos séculos XII a XIIV que constitui o corpo da catedral, a Capela-Mor sofreu diversas remodelações no período barroco, entre as quais a construção do grandioso retábulo, que será um dos maiores e mais expressivos das catedrais do norte de Portugal, tendo sido objeto de múltiplos estudos sobre a sua estrutura e significado, bem como das influências que exerceu nas igrejas do norte de Portugal. Numa das pinturas laterais da capela mor podemos encontrar a assinatura de “Nicolo Nasoni Florentino”, que tinha vindo a realizar as pinturas da atual sacristia da Sé.

A intervenção na Capela mor da Sé tem sido levada a cabo pelo Cabido Portucalense, sob a orientação da Direção Regional da Cultura do Norte, através de um trabalho meticuloso.

Durante as obras a capela mor esteve encoberta por uma tela que mostrava fotograficamente a própria estrutura do retábulo, que era assim aproximado do transepto, onde tiveram lugar várias celebrações diocesanas, e eventos musicais, ao longo dos últimos meses.

Nos últimos dias, foi possível já mostrar o terço superior do retábulo com o desvendamento da parte superior da pintura da Assunção, o que permite apreciar a brilhante valorização da imagem representada, enquanto se vai restaurando também o primeiro andar da pintura, que representa a admiração dos discípulos que acompanham a assunção.

As estátuas do retábulo encontram-se também em adiantado estado de recuperação, a cargo da Escola das Artes da Universidade Católica.

 

Valoriza-se assim um dos mais notáveis monumentos da cidade. A seguir à recuperação da igreja de Santa Clara, igualmente a Sé manifestará o esplendor da talha dourada, em dimensão muito mais ampla. Desta forma, a capela mor da catedral do Porto adquirirá de novo o seu antigo brilho, a poderá estar disponível para as próximas celebrações pascais.