
Na sequência das reflexões do editorial de Jorge Cunha na número anterior, vale a pena que, passadas as campanha eleitorais e os seus contornos centrados nos conflitos e tantas vezes desviados do essencial, passadas as eleições e os seus resultados, previsíveis ou imprevisíveis, passemos a referir algumas mensagens que poderão ajudar o futuro Primeiro Ministro a encaminhar o país por caminhos de bem comum e do benefício coletivo. Permita-se-nos propor alguns desses caminhos.
Por M. Correia Fernandes
O primeiro é diminuir progressivamente a desigualdade dos rendimentos. Este é um caminho indispensável de Justiça Social. Portugal é reconhecidamente um país em que é mais notória essa desigualdade: se há profissões superiormente remuneradas, outras há, e certamente das mais relevantes na sociedade, que carecem de um maior reconhecimento social. E existência de um ordenado mínimo definido, mesmo sendo positivo, porque chama a atenção para um problema social e uma atitude cultural, não resolve o problema, embora seja potencialmente necessário: importa orientar os esforços para a valorização da média das retribuições. Isto implicaria também uma tributação justa dos rendimentos. Como afirma o papa Francisco, “o trabalho é a base sobre a qual se há de construir a justiça e a solidariedade em cada comunidade”.
Um segundo aspeto deverá ser a descentralização das decisões, por forma que os diferentes sectores dos organismos do Estado não se sobreponham uns aos outros, para criar em vez de resolver os problemas emergentes. Quantas vezes para se solucionar um problema burocrático o cidadão se confronta com uma multiplicidade de decisores que se atropelam uns aos outros e sobretudo atropelam o cidadão.
Outro conselho que importa transmitir ao futuro Primeiro Ministro é que elabore um Governo menos numeroso, procurando que na multiplicidade de Ministérios as funções governativas não se atropelem umas às outras, para tratar ou desenvolver ou decidir os mesmos assuntos. Um conspecto sobre a estrutura do Governo que agora termina o seu mandato revela uma situação verdadeiramente dramática, por repetitiva: No atual Governo há 20 Ministros e 50 Secretários de Estado, cujas funções frequentemente se sobrepõem. Os Ministérios devem corresponder a sectores da actividade social. Não fazem sentido ministérios como os existentes da “Coesão territorial” (que é isso como atividades humana?), da Modernização do Estado, do Ambiente e Ação Climática? Tudo isso está dependente ou tem que ver com o trabalho de outros ministérios: assim se duplicam e complicam funções. Sobre as Secretarias de Estado multiplicam-se as propostas: transição digital, cidadania, internacionalização, inovação e modernização administrativa, descentralização, mobilidade. Isto para além da repetitividade entre ministérios e Secretarias de Estado.
Uma outra dimensão que importa promover, senhor futuro Primeiro Ministro, é a da diminuição da burocracia do Estado. A abundância de Ministérios e Secretarias promove a ação burocrática, como se ouve dizer: isso é da competência de outros. Em vez de solução para os problemas inserimos no aparelho mecanismos de competências.
Mais que tudo, importa inserir nos parâmetros de ação do governo a atenção e o respeito pelos problemas éticos, pelos valores fundamentais da sociedade, frequentemente ignorados nas propostas e nas decisões.
Importa pois desenvolver uma “política sã”, assente na valorização do trabalho, na sua justa remuneração, na valorização da educação e da formação pessoal e social, como afirma o Papa Francisco: “É necessário, forjar um novo paradigma cultural, através de «um pacto educativo global para e com as gerações jovens, que empenhe as famílias, as comunidades, as escolas e universidades, as instituições, as religiões, os governantes, a humanidade inteira na formação de pessoas maduras». A este novo paradigma cultural importa associar um novo paradigma governativo, assente na disponibilidade, na proximidade e na presença junto dos cidadãos.
Assumimos também a posição da Comissão nacional Justiça e Paz, ao propor que o diálogo e a responsabilidade social conduzam à construção de esquemas sociais em que o sentido da justiça e da paz estejam sempre presentes.
Essa é por certo uma das tarefas mais importantes da ação governativa: superar conflitos, criar dinamismos, acompanhar e valorizar as iniciativas da sociedade civil.