A luta contra a pobreza pode ser um nobre intenção, um nobre ideal e um nobre projeto.
Por M. Correia Fernandes
Porém, antes da palavra “luta” reflita-se sobre a palavra “pobreza”. A ligação “luta contra a pobreza” faz supor a sua lamentável e desumana presença nas sociedades, incluindo as europeias, onde, segundo o seu projeto humanista, já não devia existir. Mas é sobretudo nas sociedades do chamado “terceiro mundo” onde esta realidade das estruturas sociais humanas se afirma pela sua inevitabilidade e por isso pela necessidade de operacionalizar formas de superação.
Essa é certamente a intenção e o propósito da Rede Europeia designada EAPN (European Anti Poverty Network), que é representada em Portugal pela EAPN PORTUGAL – REDE EUROPEIA ANTI-POBREZA, cujo objetivo e projeto é “Contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, em que todos sejam corresponsáveis na garantia do acesso dos cidadãos a uma vida digna, baseada no respeito pelos Direitos Humanos e no exercício pleno de uma cidadania informada, participada e inclusiva”.
A primeira atitude e os primeiros projetos das sociedades e dos governos e instituições não governamentais deveria ser promover o desenvolvimento das estruturas sociais e das economias. Não deveria ser um tema de luta, mas um tema de construção. Tal como afirma o papa Francisco: “É decisivo dar vida a processos de desenvolvimento onde se valorizem as capacidades de todos, para que a complementaridade das competências e a diversidade das funções conduzam a um recurso comum de participação” (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres).
Esta é uma mudança de paradigma que importa incrementar: a luta contra a pobreza tem que tornar-se um processo de ações políticas e económicas em que a intenção não seja a riqueza e o lucro, mas a valorização social das pessoas e das populações.
É nesta multiplicidade de sentidos que a EAPN Portugal assinalou os trinta anos de vida através de uma publicação designada “30 Anos 30 Nomes”, em que se recolhem depoimentos e testemunhos de pessoas que de várias formas integram a instituição, cuja Diretora Executiva, Sandra Araújo, assinala também a palavra do Papa “Impõe-se uma abordagem diferente da pobreza… com um modelo social clarividente. Se os pobres são colocados à margem… é o próprio conceito de democracia que é posto em crise e fracassa toda e qualquer política social”.
Cremos que aqui está o cerne da questão. Podemos perguntar-nos se neste tempo de debates eleitorais o problema é lucidamente abordado, orientado em favor da eliminação das situações de pobreza em vez da obtenção de predominâncias e interesses eleitorais em favor de um poder político desprovido dos valores essenciais da promoção da justiça social e humana, isto é, do bem das pessoas.
Na publicação “30 Anos 30 Nomes”, o primeiro nome é o do Padre Agostinho Jardim Moreira, Presidente da Direção da EAPN em Portugal, que recorda o percurso da instituição em Portugal iniciado em 1991, e que acentua na sua mensagem: “Para além da pobreza material, é indispensável cuidar a pessoa humana na sua integridade biopsicossocial e de todo o seu contexto envolvente, expressamente do seu agregado familiar”.
Entre os trinta testemunhos apresentados na publicação encontram-se figuras conhecidas do universo académico, empresarial e político, de organizações e Fundações. O volume vem ilustrado com imagens de muitos eventos, acontecimentos, seminários, jornadas realizadas, visitas de governantes e mesmo de manifestações populares.
O volume foi apresentado no edifício do Palácio da Bolsa, no Porto, numa intervenção da Maria de Lurdes Correia Fernandes, da Fac. de Letras da Universidade do Porto, que no percurso do volume assinala especialmente as intervenções de entidades coletivas, entre as quais a A3S, entidade universitária de investigação e desenvolvimento, associada da EAPN, a partir das quais assinala “a consciência do largo caminho ainda a percorrer para, a curto prazo, diminuir e, no futuro, com esperança, perseverança e ações concretas, erradicar a pobreza em Portugal e na Europa”, uma interrogativa “visão utópica”, para a qual importa a “vontade política”, que conduza a “uma sociedade respeitadora dos Direitos Humanos, livre de pobreza ou de qualquer tipo de exclusão e sustentada nos valores da dignidade, justiça, igualdade e solidariedade”, a capacidade de “articular políticas sectoriais, das leis laborais e políticas de emprego até à educação, a saúde, a habitação”, ou “políticas públicas orientadas para a criação de emprego e para a sua qualidade, bem como para a redução drástica da dimensão dos grupos sociais excluídos do direito ao trabalho”.
Regressamos assim à nossa proposta inicial: Mais que “luta contra a pobreza” importa lançar projetos de desenvolvimento, planos de ação, trabalho real e remuneração dele: uma mudança de paradigma na atuação política e institucional.
Obs.: O P. Agostinho Jardim Moreira apresentou também, além do já referido “50 anos em comunidade e evangelizar e servir” , mais duas publicações a que oportunamente daremos atenção: Evangelizar em tempo de pandemia” e “30 anos de luta contra a pobreza e a exclusão social”, todas de 2021, a que oportunamente faremos referência.