
Há vários níveis de reflexão em tempo de eleições. Os partidos pensam na conquista do poder e desenvolvem a estratégia que lhes parece mais adaptada para isso.
Por Jorge Teixeira da Cunha
Mas há necessidade de entrar num nível ético de discussão da nossa vida comum. Este é um pouco mais afastado do quotidiano, mas e muito necessário. Deste se ocupa a Igreja cuja missão de pregar tem evidentes consequências éticas para a organização política. Vamos propor duas ou três reflexões que nos parecem de actualidade.
A primeira é de natureza estritamente política. Hoje quase ninguém se lembra que a ordem política é subsidiária da vida pessoal e da vida comum. Essa é uma afirmação central da doutrina social da Igreja. Isso quer dizer que as pessoas, e a vida em geral, tem precedência sobre a política. A política, sendo indispensável à vida associada, tem como objecto o bem comum de todos os viventes. Por isso, o Estado não é tudo na vida da comunidade política. A política estatal está subordinada ao bem das pessoas, à sua dimensão espiritual irredutível, à indisponibilidade dos seres humanos que precede e se impõe às próprias autoridades. Esta afirmação parece um pouco abstrata. Mas, se virmos bem, pode levar a conclusões para a vida do dia-a-dia. Vamos dar o exemplo das prestações de saúde: não compete ao Estado definir aquilo que é o bem ou o mal das pessoas em matéria de procriação, de contraceção, de aborto ou de decisões sobre o termo da vida. Ora, o nosso Estado dispõe de grandes dotações orçamentais para matérias desta natureza, que induzem comportamentos que não tem o direito de induzir. Alguma vez vamos ter de discutir estas matérias, pelo menos em sede fiscal, em tempo de eleições.
A segunda reflexão é sobre a economia e o trabalho. Muito se tem discutido a questão do salário, nomeadamente da existência de um salário mínimo. À luz da doutrina social da Igreja, parece que temos de ir muito mais longe. A nossa política económica necessita de ser impugnada a longo prazo. De facto, uma percentagem quase escandalosa do produto do nosso trabalho é administrada pelo Estado com a sua dispendiosa e anónima burocracia. Aqui urge dizer que é necessário que o produto do trabalho seja passado, numa percentagem muito maior, para a posse da pessoa trabalhadora. O nosso Estado teve sempre tendência para ser paternalista e para dispor da nossa vida e do nosso dinheiro. No que se refere ao trabalho, isso está a rondar o nível insuportável. Pode parecer que esta ponto de vista é liberal ou individualista. Não é bem disso que se trata. De facto, na escala de valores da ética cristã a justiça da remuneração do trabalho vem antes do dever de redistribuição. Isto quer dizer que pagar o salário justo é a primeira forma de redistribuição e não o contrário. Em Portugal, temos evoluído no sentido de aumentar as prestações sociais e manter baixos os salários. Ora essa escolha é muito discutível e sujeita a vícios que estão à vista de todos. As pessoas e as famílias são capazes de administrar o seu dinheiro, sem necessitar da tutela do Estado. É outro tema que alguma vez havia de ser discutido na nossa campanha eleitoral.
Há um terceiro tema que é mais complexo. Como sabemos o nosso país tem um problema demográfico que nos ameaça o futuro como nação com identidade nas próximas décadas. Se não houver pessoas, não há sociedades. Este problema tem uma vertente política. Por isso, seria necessário discutir as opções que podem redundar no nascimento de mais pessoas. Claro que o aumento da população pode vir também de oportunas políticas de admissão de migrantes. Esta seria uma discussão importante para o nosso futuro, mas não vemos que tenha sido objecto das propostas dos partidos que vão concorrer às eleições que se avizinham. Este assunto, porém, tem uma vertente mais profunda, cuja raiz mergulha no terreno de que se ocupa a nossa fé. Se for a falta da virtude da esperança e da fé no futuro que leva à diminuição da procriação, então, estamos muito necessitados da proclamação do Evangelho e do robustecimento das energias do nosso espírito. Aqui se apresenta um terreno excelente para a nossa missão pastoral como Igreja. Bem precisamos deste capacidade de fundar de novo a esperança, essa virtude sempre esquecida da espiritualidade.