O Cabido Portucalense promoveu na nave da catedral do Porto, em dia de Reis (6 de janeiro, já celebrada liturgicamente a solenidade da Epifania), um concerto de canto “a capella”, sob a direção de Pedro Monteiro, com um conjunto vocal designado “Vandoma”. O evento não teve a divulgação que merecia, mas mereceu a presença de aceitável número de musicófilos, que puderam apreciar um conjunto original de temas de clara oportunidade e sentido nestes dias, quer pela temática quer pela novidade musical: três compositores celebrados do século XX, e de três nacionalidades e escolas musicais: Francis Poulenc (1899-1963), francês, Arvo Pärt (n. 1935), estoniano, e John Tavener (1944-2013), britânico.
Do primeiro foram apresentadas quatro composições natalícias, em língua latina: “O magnum Mysterium”, “Quem vidistis pastores”, “videntes stellam” e “Hodie Christus natus est” (hinos litúrgicos de Natal, musicados por muitos autores, desde o canto gregoriano aos nossos dias). Estes motetes de Poulenc estão datados de 1951-52.
Do segundo autor, ouvimos uma versão do Magnificat, com o texto completo; o “Nunc dimitis” do canto de Simeão e “Wich was de son off…” (o qual era filho de…), uma original versão da genealogia de Jesus que inicia o cap. 3.º do evangelho de Lucas. As composições de Pärt datam de 1989 a 2000, designadamente a última, que foi encomendada pela cidade de Reykjavik, para comemorar a capital Europeia da Cultura desse ano.
Do terceiro autor escutaram-se quatro composições em língua inglesa: The lamb (O cordeiro), Today the Virgin, “A nativity” e “God is with us – a Christmas proclamation”, composições de 1982 a 1987, designadamente a última, uma vigorosa e solene proclamação do Natal.
O concerto concluiu com um extra programa, um vilancico tradicional, “Andai ao portal, pastores”, com acompanhamento de guitarra e flauta.
O grupo “Vandoma” estava composto pelos sopranos Eva Braga Simões, Leonor Barbosa de Melo e Raquel Mendes; pelos contraltos Gabriela Braga Simões, Maria João Gomes e Raquel Mendes; pelos tenores André Lacerda, Carlos Meireles, Fernando Guimarães; e pelos Baixos Pedro Lopes e Nuno Mendes, todos eles especialistas na arte do canto.
As composições de John Tavener assinalam, no dizer do maestro Pedro Monteiro, o Natal ortodoxo, que acentua a encarnação do Logos, a Palavra de Deus, assinalando que nestes textos “o olhar sobre Jesus menino incorpora uma alusão frequente sobre o seu destino e o destino de toda a humanidade: sacrifício e salvação”.
As características destas obras musicais e do estilo dos seus compositores, nos quais se associa a tradição textual à modernidade temática dos processos expressivos da composição, em que o movimento rítmico, a harmonia imitativa através de dissonâncias expressivas e da força do sentido nas palavras essenciais, como Christus, Salvator, Gloria, Alleluia, conferem-lhe uma visão atual da riqueza da tradição musical sobre o Natal. E ao mesmo tempo exigiram dos executantes uma extraordinária capacidade de interpretação, que saudamos.
Parabéns ao maestro Pedro Monteiro pela preparação e cuidada direção, pela originalidade e atualidade da escolha das composições , e ao Grupo “Vandoma” e pela qualidade da interpretação; e ao Cabido Portucalense por este assinalar da quadra festiva que, mesmo em tempo de pandemia, não pode ser arrastada pela profusão das regras tidas como salvadoras.
CF