Comparando o Ordinário da Missa do novo Missal com o do Missal ainda em uso, a diferença é sensível no tocante à apresentação, mais do que em relação aos conteúdos.
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
O que se nota, em primeiro lugar, é a presença das pautas musicais no lugar próprio e não, como dantes, numa secção à parte. Cantar os diálogos, as aclamações, as orações, os prefácios, as partes mais importantes da oração eucarística torna-se, assim, algo de normal. Não é uma exceção que obrigue a marcações especiais no MR ou, até, implique o recurso a outros livros especialmente destinados ao canto. Esses outros livros poderão editar-se, a seu tempo, complementando com outras melodias a proposta normal e universal já presente no Missal. Diga-se, desde já, que o projeto previa mais música (por exemplo: no ato penitencial, no rito de aspersão, no hino Glória, no Credo…) mas a opção que finalmente prevaleceu foi a de não fazer já uma proposta para essas partes que, sendo «oficial», desincentivaria o processo criativo pluralista de novas melodias. Esse momento ainda não chegou. Mas, desde já, o Missal torna-se um instrumento ao serviço de uma pastoral litúrgica em que o canto do presidente e dos ministros, em diálogo com a assembleia celebrante, se torna a proposta comum a cultivar.
Como é evidente, a promoção desta arte de celebrar em que o canto e a música deixam de ser algo de acessório, supõe e implica uma aposta mais decidida na formação dos «celebrantes» do futuro. De facto, é importante ir superando o paradigma da «missa lecta», missa «lida», «recitada» («rezada») que se generalizou após a Idade Média, quando os missais plenários foram organizados sobretudo como instrumentos ao serviço da celebração solitária da Eucaristia por parte do clero, sem a presença de ministros, e ignorando completamente a participação da assembleia, frequentemente inexistente.
O paradigma da reforma litúrgica é o da «Missa com o povo»: «convém que esta Missa, especialmente nos domingos e festas de preceito, seja celebrada com canto e com número adequado de ministros» (IGMR 115). «Embora não seja necessário cantar sempre, por exemplo nas Missas feriais, todos os textos que, por si mesmos, se destinam a ser cantados, deve, no entanto, procurar-se com todo o empenho que não falte o canto dos ministros e do povo nas celebrações que se realizam nos domingos e festas de preceito. Na escolha das partes que efetivamente se cantam, dê-se preferência às mais importantes, sobretudo às que devem ser cantadas pelo sacerdote ou pelo diácono ou pelo leitor, com resposta do povo, bem como às que o sacerdote e o povo devem proferir conjuntamente» (IGMR 40).
Outra particularidade a registar é a oferta de maior número de alternativas, em várias partes da celebração: na saudação inicial (com propostas específicas para os vários tempos litúrgicos); na variante C do Ato penitencial (tropos do Kyrie), no convite «orai irmãos…», no convite que precede a Oração do Senhor, no convite à saudação da paz, no convite à Comunhão, na despedida no final da celebração… Esta opção, que visa o maior bem dos fiéis e uma celebração mais variada, segundo a antiga tradição romana que fez nascer o tesouro eucológico do ocidente, tem implicações na preparação da celebração. Muitos presidentes mais rotineiros prefeririam um Missal em que tudo viesse seguido, sem opções nem variantes. Para esses o Missal torna-se menos funcional, obrigando a virar mais vezes as suas páginas à procura do seguimento pretendido. Mas hoje é mais imperioso contrariar essa tendência rotineira, dando tempo e atenção à preparação da celebração e fazendo as escolhas necessárias, algumas das quais devem ser articuladas com outros ministros e pessoas envolvidas na animação litúrgica.
Uma particularidade na modalidade A do Ato Penitencial, que inclui a recitação comum da oração «Confesso a Deus todo poderoso…»: retoma-se a prática tradicional de bater três vezes no peito, enquanto se dizem as palavras: «por minha culpa, minha culpa, minha tão grande culpa». É uma das mudanças impostas pelo critério literalista de Liturgiam authenticam que não foi posteriormente revertida. O número três tem a seu favor inúmeros antecedentes bíblicos e rituais. Pensemos na tríplice negação e na tríplice declaração de amor de Pedro, nas três imersões ou infusões batismais (em relação com as Pessoas divinas), no ritmo ternário das invocações Kyrie, Christe, Kyrie, na estrutura tripartida da bênção solene… Como diria o nosso poeta João de Deus, «três é a conta certinha e justa». Com alguma atenção e boa vontade é de prever que, após um período de hesitações e enganos, cedo estaremos todos unidos nessa prática que já foi usual.