O acontecimento estava assim anunciado: “No ano em que celebra as bodas de ouro, o Coro da Sé Catedral do Porto e o Cabido Portucalense organizam mais um tradicional concerto de Natal que este ano será, excepcionalmente, na Igreja de São Lourenço (dos Grilos), devido ao restauro da capela mor da Catedral. Serão apresentadas duas cantatas: “Vom Himmel Hoch” de Felix Mendelssohn (1809-1847) e “Der Stern von Bethlehem” de Josef Gabriel Rheinberger (1839-1901), em estreia nacional, seguida da já tradicional canção de Natal, o universal “Adeste Fideles”. Com Rita Morais (soprano), Rodrigo Carvalho (barítono), o Coro da Sé Catedral do Porto, a Orquestra Sine Nomine e direcção musical de Tiago Ferreira”.
Que saiba, foi a primeira vez que o Coro da Sé, com a orquestra “Sine nomine” se apresentou na grandiosa igreja de S. Lourenço, do Seminário Maior do Porto. As excelentes qualidades acústicas desta igreja, não muito utlizada nesta função, e o seu imponente estilo maneirista criaram um ambiente invulgar para o concerto. Mais invulgar ainda porque os cantores e os músicos (dos instrumentos de cordas) se apresentaram de máscaras, em virtude das circunstâncias envolventes.
Mesmo com os membros cantando de máscara, o coro manifestou uma notável pujança vocal e qualidade interpretativa a que nos tem habituado em múltiplas circunstâncias a nas atuações mais diversas, que vão desde a grandiosa Missa em si menor de J. S. Bach até aos motetes dos compositores da excelente polifonia portuguesa dos século XVII e XVIII. A sua ligação com a orquestra “Sine Nomine” tem proporcionado igualmente realizações de grande valor.
As obras apresentadas foram também novidade entre nós: a cantata natalícia de Mendelssohn, de um estilo inovador mas em que os seus corais nos fazem lembrar J.S. Bach (cuja Paixão de S. Mateus por ele foi revelada), lembra toda a espiritualidade “descida do céu”, como afirma o seu título.
A grandiosa obra de Rheinberger , “Der Stern von Bethlehem ,“A estrela da Belém” é uma construção particularmente original, datada de 1890, no final já do período do romantismo, influenciada pelos grandes compositores daquele movimento, como Schubert e Brahms, mas evidenciando um estilo muito pessoal. Valorizando as vozes solistas do soprano e barítono (com notáveis intervenções), sobressai a intervenção do coro apenas das vozes masculinas, a que depois se associa o conjunto numa expressão festiva do mistério do nascimento, nas palavras escritas pela sua esposa Franziska . Diz-se que durante a vida do compositor foi uma das obras mais interpretadas, mas após a sua morte caiu nom esquecimento. Modernamente existem múltiplas versões, entre as quais a do notável barítono Dietrich Fischer-Diskau com a soprano Rita Streich.
Parabéns ao Coro da Sé Catedral do Porto e ao maestro Tiago Ferreira, que a partir da sua presença na Alemanha nos trouxe obras até agora pouco conhecidas entre nós e mesmo compositores que o nosso meio musical conhecemos mal, como Jan Dismas Zelenka (1679-1745), que na catedral católica de Dresden afirmou os valores da liturgia católica, em contraponto à liturgia luterana desenvolvida de sublime forma por J. S. Bach (1685-1750). Esta iniciativa é exemplo da ação pioneira do Coro da Sé, na esteira do seu fundador, Cón. Ferreira dos Santos, na atenção aos grandes compositores de música sacra.
CF