
As palavras dos poetas são sempre palavras de íntimo e de mistério. Formas de sentir e expressão de vivências pessoais e intransmissíveis, nascidas do fluir do quotidiano. Tudo isto me voltou a ser lembrado no pequeno volume de poesia de Francisco Duarte Mangas, As coisas comuns (ed. Modo de Ler, novembro de 2021).
Por M. Correia Fernandes
Francisco Duarte Mangas nasceu em Vieira do Minho, em 1960. É jornalista, poeta, ficcionista, com uma extensa e premiada bibliografia – Prémio Carlos de Oliveira, Prémio Eixo Atlântico de Narrativa Galega e Portuguesa e Grande Prémio de Literatura ITF. A Rapariga dos Lábios Azuis foi o seu primeiro romance publicado na Quetzal. O júri do Prémio da Associação Portugueses de Escritores (APE) Camilo Castelo Branco, pela obra Pavese do Café Ceuta (2020).
Considerou na escrita de Duarte Mangas “o modo engenhoso como convoca para narrativas breves um conjunto de autores, de vozes, de textos da literatura universal tornando-as presenças reais e vivas num cenário do quotidiano urbano.
O relance sobre o pequeno volume de poesia As coisas comuns fez-me de imediato lembrar os caminhos da minha terra, dos ribeiros e dos pinheiros, das videiras e das laranjeiras ao pé da porta, dos milheirais do verão e das noites de inverno, do cozer do pão , das andorinhas e dos bois em árduo trabalho.
Mas esta presença da natureza lembrou também outras paragens e outras dimensões, como a de Rosalía de Castro, com os seus
Aires, airiños, airiños, aires,
airiños da miña terra,
airiños, airiños, aires,
airiños levaime a ela.
Sin ela vivir non podo,
non podo vivir contenta,
que a donde queira que vaia
cróbeme unha sombra espesa.
Ou o romace sonámbulo de Federico García Lorca, em que a ntureza é um drama de gente, em que la luna gitana vive os anseios, dores e sofrimentos:
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Claro que a lembrança tem que passar também pelos camonianos
Verdes são os campos
Da cor do limão
Assim são os olhos
do meu coração
celebrizado popularmente na bela canção do José Afonso.
Ou pelo pessoano
Ó sino da minha aldeia
Dolente na tarde cama
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma
Com o seu eco nestas palavras de Duarte Mangas
fui a ramil às cerejas
e cerejas não havia
as aves as levaram
quedam as cerejeiras
a vergar de melancolia
fui a ramil às cerejas
e cerejas não hvia
bebi água fresca da que caía no poço
a crepitar de alegria
Nestes pequenos poemas encontramos a presença de um mundo em vias de transformação mas repleto de mensagens que talvez sejam as que enformarão as cidades do futuro. Eles são não apenas a nostalgia, mas o modelo para o entendimento da natureza das gerações futuras.
Tomei também conhecimento da publicação de um novo livro de poesia de João Aguiar Campos (Cónego da Sé de Baga, que foi diretor do Diário do Minho e Presidente do Conselho de Gerência da Rádio Renascença e Presidente da Assembleia Geral da AIC – Associação da Imprense de Inspiração Cristã). A dimensão poética da sua linguagem apreciava-se no comum das intervenções que produzia nos encontros e adorna também as suas páginas. Como o livro de Francisco Mangas, o escrito de João Aguiar é a descoberta das coisas comuns, especialmente inspiradas tanto pela natureza como pela palavra bíblica. Aliás o título é significativo: “Flores de Feno”, inspirado numa palavra do salmo 103, que diz: “Fazeis brotar as flores e a relva para o gado”. João Aguiar Campos é também autor do livro Morri ontem, uma meditação sobre as vivências da vida e da morte e que também corre caminhos de poesia.
Escrever com força, ou a frescura das pétalas
O livrinho é pequeno, mas com a originalidade dos começos. Tem por título, um título duplo de antítese e contradição, Escrito com muita força, franzino como uma pétala. A autora assina Julieta dos Espíritos, e a edição assume-se como poesiafaclube, com imagem da capa também da autora, e tem uma introdução de Nuno Malela.
As imagens surgem na esteira da temática desta crónica sobre a natureza:
Quando abres a janela, os pássaros voam
E ouves um colibri.
Quando a chuva cai e a terra mexe
Outros sons ressoam.
São esses outros sons que encontramos no percurso da poesia e de quatro pequenas narrativas que o livro contém: olhar para dentro, olhar para os outros, observar e sentir um mundo ao lado.
O livro é apresentado na cripta da igreja paroquial da Senhora do Porto, nesta sexta feira, dia 17 de dezembro, às 21h30, por Nuno Campos Monteiro.