Encontro em Santa Clara: por um caminho sinodal

Foto: João Lopes Cardoso

Na  sexta-feira, 17 de dezembro, o Papa Francisco completou 85 anos e, em jeito de celebração, Voz Portucalense acompanhou uma iniciativa sobre o Sínodo iniciado pelo Santo Padre em outubro passado. O Sínodo 2023 é um evento no qual Francisco deposita imensa esperança e que está a marcar o seu pontificado.

“O caminho sinodal com o Papa Francisco” foi o tema de uma conversa na Igreja de Santa Clara , no Porto, a partir do livro do padre Sérgio Leal com o mesmo título.

Aprofundar o tema do “caminho sinodal” proposto pelo Papa para os anos de 2021 a 2023 foi o objetivo deste encontro que encheu por completo a requalificada Igreja de Santa Clara que abriu recentemente ao público após um longo processo de obras.

À conversa sobre “O caminho sinodal com o Papa Francisco” estiveram os professores Sofia Salgado Pinto da Católica Porto Business School e João Paiva da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, com a moderação de Rui Saraiva. Partiram do livro do padre Sérgio Leal para apresentar a sua visão de uma Igreja que seja mais caminho em conjunto.

“Por uma igreja sinodal: comunhão, participação e missão” é o tema do Sínodo dos bispo de 2023 que está agora em fase de reflexão nas dioceses de todo o mundo. A este propósito ambos os oradores deste encontro em Santa Clara foram unânimes em sublinhar que este é “o tempo da escuta” das pessoas. Um tempo que se deve caracterizar por “dar a vez e a voz” aos leigos possibilitando a sua participação. Assinalaram a importância de serem realizados “encontros sinodais” nas comunidades, nos grupos e movimentos, num esforço de que todos sejam ouvidos.

Voz Portucalense publicou recentemente várias partes de uma entrevista com o padre Sérgio Leal sobre o seu livro. O sacerdote da diocese do Porto é formador do Seminário Maior do Porto, sendo pároco in solidum da Sé do Porto. Está a concluir doutoramento na Pontifícia Universidade Lateranense em Roma e defendeu em 2018 uma tese de licenciatura sobre a sinodalidade como estilo pastoral. Participou em 2019 no Sínodo da Amazónia no qual encontrou o Papa tendo com ele conversado.

Recordamos aqui o texto publicado na edição de dia 13 de outubro de 2021.

Sínodo. “Implica um modo de ser e de estar novo porque corremos o risco de falar e não sermos ouvidos”

Memória de um encontro

Durante a Assembleia Especial do Sínodo dos bispos para a região Pan-Amazónica, em 2019, o padre Sérgio Leal colaborou como assistente da Secretaria Geral. Caminhando da Casa Santa Marta para a Aula do Sínodo encontrou o Papa Francisco e recorda esse episódio:

“Faço memória de uma conversa pessoal com ele no contexto do Sínodo da Amazónia. Em que nos primeiros dias do Sínodo conversando até à Aula Sinodal ele me perguntava o que é que um jovem pastoralista pensava de tudo o que estava a ver ali. E eu dei a minha opinião. E o Papa dizia-me: ‘sabes é isso que eu, às vezes também penso quando vejo alguém chegar ao Sínodo já com ideias muito definidas das conclusões sinodais’. Quando partimos para um caminho partimos com abertura de coração para nos deixarmos surpreender pelo Espírito Santo. E para juntos construirmos caminho. Apresentamos aquilo que é a nossa perspetiva, mas para enriquecer com o contributo dos outros. De ajudar os outros a caminhar. E de ser ajudado também. E, portanto, o caminho sinodal não nos pode fechar numa ideologia pessoal, mas tem que abrir o nosso coração às surpresas do Espírito. E com este sucessor de Pedro que é o Papa Francisco eu não tenho dúvidas que a sinodalidade é isto. Ele é garante de comunhão e de unidade deixando-se surpreender por aquilo que o Espirito Santo lhe vai pedindo a ele” – disse o padre Sérgio Leal.

Fazer caminho sinodal é gerar processos

O sacerdote português acentua a importância essencial do conceito de processo para um caminho sinodal.

“Processo, uma palavra que me agrada muito quando se fala de sinodalidade. Fazer caminho sinodal não é gerar estruturas, é gerar processos. Um primeiro processo de fundo de conversão pastoral, em primeiro lugar, de conversão pessoal. A grande mudança da Igreja acontece pela mudança de cada um de nós. E o Papa diz isso: ‘a começar por mim’. Mais do que um conjunto de estruturas sinodalidade é processo e processos conjuntos. Mas devemos partir das estruturas que nós temos no conjunto da Igreja particular que o Papa apresenta como primeiro lugar do exercício de sinodalidade. A começar pelo bispo diocesano que tem um conjunto de estruturas como o Conselho Presbiteral, o Conselho Diocesano de Pastoral. Depois partindo para as realidades mais concretas, na vida paroquial o Conselho Paroquial de Pastoral, o Conselho para os Assuntos Económicos, a Assembleia Paroquial. Isto é, há um conjunto de estruturas de participação e de comunhão que são lugares de exercício prático. Dar lugar a processos sinodais é potenciar estas estruturas como lugares sinodais. Lugares que não são de decisão unidirecional, nem lugar de escuta daquele que preside ao Conselho, mas de perceber que há ali uma reciprocidade na escuta. Que há um verdadeiro diálogo” – afirmou.

Lugares de decisão participada

Os processos sinodais são processos conjuntos e lugar de uma decisão participada – diz o padre Sérgio Leal.

“Os processos sinodais devem ser verdadeiros lugares de decisão. A decisão de facto cabe sempre àquele que preside, mas a elaboração da decisão deve ser participada por todos. E estes processos sinodais são processos conjuntos” – declarou.

A sinodalidade implica fazer um caminho de conversão pastoral, de mudança. E o Papa diz que deve começar por ele próprio.

“Eu diria que tem que começar por todos. O Papa Francisco quando diz na ‘Evangelii Gaudium’: sonho com uma opção missionária que coloca a caminho todos, os métodos, os horários, os estilos. E o Papa faz um percurso muito interessante quando diz que esta conversão pastoral é a começar pelo Papado, por ele, pelo sucessor de Pedro. Depois os bispos, os presbíteros, as paróquias, os movimentos. Isto é, é um caminho para todos esta da conversão pastoral” – recordou.

Emissores e recetores em processo sinodal

O padre Sérgio Leal lembra a importância da comunicação num processo sinodal onde todos somos emissores e recetores.

“E num processo sinodal somos simultaneamente emissores e recetores. E aqui é a grande redescoberta da sinodalidade: porque nos habituamos a que os ministros ordenados sejam os emissores e os fiéis leigos os recetores. A igreja sinodal coloca-nos como emissores e recetores simultaneamente e sempre como recetores da voz de Deus. Isto é, de juntos procurarmos o que o Senhor nos pede hoje, aqui e agora. Não é aquilo que eu acho melhor, é aquilo que o Espírito Santo me pede aqui e agora. Num esforço permanente de caminhar na comunhão e unidade para chegar às periferias, para chegar aos outros. E isto é um dinamismo que nos coloca permanentemente em questão porque me liberta da minha autorreferencialidade e autossuficiência e me faz estar permanentemente a caminho” – afirmou.

Um modo de comunicar novo

Para fazer atuar um processo sinodal a comunicação é essencial até porque “a Igreja nasce de um Deus que se comunica” – lembrou o padre Sérgio Leal sublinhando que “fazer uma publicação online não significa ser escutado”. É preciso algo mais.

“A Igreja nasce de um Deus que se comunica. De um Deus que se diz em linguagem humana, que assume a nossa carne humana e que nos ensina esta arte de encarnarmos o Evangelho, de fazermos presente o Evangelho numa determinada cultura. Isto significa dizer o Evangelho de sempre na linguagem de hoje. Ser capaz de comunicar hoje de modo que nos escutem. O Papa diz uma coisa que tenho repetido já várias vezes e que para mim é essencial na ‘Evangelii Gaudium’. É que, às vezes, a nossa preocupação é fazer um discurso ortodoxo do ponto de vista doutrinal, mas depois o modo como é escutado pelos outros não corresponde àquilo que queremos dizer. E o Papa diz que tenhamos o cuidado para que aquilo que comunicamos seja aquilo que é escutado. E isto implica um modo de comunicar novo porque corremos o risco de falar e não ser ouvidos. E este é também um risco do modo como hoje entendemos a comunicação. Fazer uma publicação online não significa ser escutado” – disse o padre Sérgio Leal.

RS