
No encontro com a comunidade católica no Chipre, o Papa Francisco lançou palavras e expressões que sugerem atitudes por uma igreja sinodal. Casa comum, diversidade, paciência, proximidade, fraternidade, oração e escuta são exemplos para refletir.
Por Rui Saraiva
Seguindo os passos do Papa na sua 35ª Viagem Apostólica Internacional que decorreu de 2 a 6 de dezembro de 2021, podemos fixar o olhar logo nas primeiras horas da visita. Numa viagem papal que levou o Santo Padre ao Chipre e à Grécia, foi logo possível na ilha cipriota colher palavras e expressões do Papa que nos sugerem atitudes que podem ser geradoras de percursos rumo a uma igreja sinodal.
Unidos pela misericórdia de Deus
Na sua viagem ao Chipre, Francisco teve como primeira etapa um encontro com a comunidade católica na Catedral Maronita de Nossa Senhora das Graças em Nicósia. Aí encontrou-se com com sacerdotes, religiosos e religiosas, diáconos, catequistas, associações e movimentos eclesiais do país.
Esta Catedral Maronita remonta ao século XVII e foi reconstruída em 1959 tendo sido inaugurada em 1961. Os maronitas foram chegando desde o século VII e são fiéis ao Papa celebrando no seu rito especial. Presentes na Catedral também os irmãos cristãos de rito latino.
O Chipre é um país europeu mediterrânico com um território dividido desde 1974. Nesse ano, a Turquia invadiu o Chipre e autoproclamou a República do Chipre do Norte. A ilha de Chipre está dividida entre os turcos, que vivem na sua parcela norte, e os gregos, no sul. A Organização das Nações Unidas (ONU) instalou uma zona neutra no país, por onde passa a Linha Verde, que divide o território. A capital Nicósia é também território dividido.
“Não há – e oxalá nunca existam –
muros na Igreja Católica:
é uma casa comum,
é o lugar das relações,
é a convivência das diversidades”
O Papa no discurso que dirigiu a todos os presentes na Catedral de Nossa Senhora das Graças sublinhou duas palavras: paciência e fraternidade. Afirmando a alegria daquela visita ao Chipre, Francisco começou por destacar o testemunho do apóstolo Barnabé: “Confidencio-vos a alegria que sinto por visitar esta terra, caminhando como peregrino pelas pegadas do grande apóstolo Barnabé, filho deste povo, discípulo enamorado de Jesus” – disse o Santo Padre salientando a exortação de Barnabé aos cristãos para que “se conservassem unidos ao Senhor, de coração firme”.
Enaltecendo a riqueza da diversidade cristã no Chipre saudou especialmente as Igrejas maronita e latina e afirmou que o papel do Chipre no continente europeu é refletir este rosto eclesial: “uma terra com os campos dourados, uma ilha acariciada pelas ondas do mar, mas sobretudo uma história que é entrelaçamento de povos e mosaico de encontros” – disse o Papa concretizando uma definição:
“Assim é também a Igreja: católica, isto é, universal, espaço aberto onde todos são acolhidos e abrangidos pela misericórdia de Deus e pelo convite a amar. Não há – e oxalá nunca existam – muros na Igreja Católica: é uma casa comum, é o lugar das relações, é a convivência das diversidades” – afirmou o Papa.
Pastores pacientes na proximidade
Sobre a paciência, bem presente na vida e missão de Barnabé, o Papa Francisco lembrou que ele “foi escolhido pela Igreja de Jerusalém – pode-se dizer pela Igreja Mãe – como a pessoa mais idónea para visitar uma nova comunidade, a de Antioquia, formada por recém-convertidos do paganismo” – afirmou.
Segundo o Santo Padre, o comportamento de Barnabé é de grande paciência: “é a paciência de se pôr constantemente em viagem; a paciência de entrar na vida de pessoas até então desconhecidas; a paciência de acolher a novidade sem formular juízos apressados; a paciência do discernimento, que sabe captar por toda a parte os sinais da ação de Deus; a paciência de «estudar» outras culturas e tradições” – salientou Francisco.
“Barnabé tem sobretudo a paciência do acompanhamento” – diz o Papa – salientando que “não esmaga a fé frágil dos recém-chegados com atitudes rigorosas, inflexíveis, nem com solicitações demasiado exigentes quanto à observância dos preceitos. Acompanha-os, toma-os pela mão, conversa com eles”:
“Queridos irmãos e irmãs, precisamos de uma Igreja paciente: uma Igreja que não se deixa abalar e perturbar pelas mudanças, mas serenamente acolhe a novidade e discerne as situações à luz do Evangelho. Nesta ilha, é precioso o trabalho que realizais no acolhimento dos novos irmãos e irmãs que chegam doutras margens do mundo: como Barnabé, também vós sois chamados a cultivar um olhar paciente e solícito, ser sinais visíveis e credíveis da paciência de Deus que nunca deixa ninguém fora de casa, privado do seu terno abraço. A Igreja em Chipre vive de braços abertos: acolhe, integra, acompanha” – declarou o Papa.
“Uma Igreja que não se deixa abalar
e perturbar pelas mudanças,
mas serenamente acolhe a novidade
e discerne as situações à luz do Evangelho”
A este ponto da sua intervenção Francisco deixou uma mensagem clara para a Igreja na Europa, exortou os bispos a serem “pastores pacientes na proximidade” e os sacerdotes a nunca serem “juízes rigorosos, mas sempre pais amorosos”.
“É uma mensagem importante também para a Igreja em toda a Europa, marcada pela crise da fé: não adianta ser impulsivos e agressivos, nostálgicos ou lamurientos, mas sim progredir lendo os sinais dos tempos e também os sinais da crise. É preciso recomeçar a anunciar o Evangelho com paciência, sobretudo às novas gerações. A vós, irmãos Bispos, gostaria de dizer: sede pastores pacientes na proximidade, nunca vos canseis de procurar Deus na oração, os sacerdotes no encontro, os irmãos doutras Confissões cristãs com respeito e solicitude, os fiéis no local onde moram. E a vós, queridos sacerdotes, gostaria de dizer: sede pacientes com os fiéis, sempre prontos a encorajá-los, ministros incansáveis do perdão e da misericórdia de Deus. Nunca sejais juízes rigorosos, mas sempre pais amorosos” – frisou o Santo Padre.
E Francisco aproveitou a ocasião para sintetizar aquilo que se pretende com o Sínodo em curso em todo o mundo na sua fase diocesana: “É isto que desejamos fazer, com a graça de Deus, no itinerário sinodal: oração paciente, escuta paciente para uma Igreja dócil a Deus e aberta ao Homem” – disse o Papa.
Instrumento de fraternidade para o mundo
A segunda palavra na história de Barnabé é a fraternidade, em particular, na sua relação com Paulo – recordou o Papa. “Como irmãos, Barnabé e Paulo viajam juntos para anunciar o Evangelho, mesmo no meio das perseguições”. No entanto, “Paulo e Barnabé separam-se, não por motivos pessoais, mas por uma divergência sobre o seu ministério, sobre como realizar a missão, e têm visões diferentes” – recorda Francisco sublinhando que, não obstante esse facto, mantêm a fraternidade. E o Papa retira uma lição para a Igreja:
“Isto é a fraternidade na Igreja: pode-se discutir sobre as perspetivas, sensibilidades e ideias diferentes. E, em certos casos, ajuda dizerem-se francamente as coisas, face a face; é ocasião de crescimento e mudança. Mas lembremo-nos sempre disto: discute-se, não para se fazer guerra nem para se impor, mas para expressar e viver a vitalidade do Espírito, que é amor e comunhão. Discute-se, mas continuamos irmãos” – afirmou Francisco.
“Queridos irmãos e irmãs, temos necessidade duma Igreja fraterna, que seja instrumento de fraternidade para o mundo” – salientou o Papa na conclusão da sua intervenção na Catedral Maronita de Nossa Senhora das Graças em Nicósia no Chipre no início da sua viagem apostólica àquele país.
“No itinerário sinodal: oração paciente,
escuta paciente para uma Igreja dócil
a Deus e aberta ao Homem”
Recordemos que cerca de 80% da população cipriota é cristã, pertencente a diversas confissões, mas com uma clara predominância ortodoxa, enquanto os muçulmanos, na sua maioria sunitas, representam cerca de um quinto dos habitantes, concentrados na parte turco-cipriota. Os católicos (na sua maioria do rito latino), são 38 mil, o que representa 4,4% da população.
Católicos, ortodoxos e protestantes têm boas relações de colaboração no Chipre. Foi mesmo estabelecida entre a Santa Sé e a Igreja Ortodoxa de Chipre uma relação de cordialidade fraterna e um profícuo diálogo na busca da plena comunhão. Bento XVI visitou o país em junho de 2010.