Um rosto humano para a política das migrações

O Papa Francisco deslocou-se, uma vez mais, ao Mediterrânio oriental, preocupado com o que está a suceder aos refugiados e migrantes. As palavras que disse são sinceras e comoventes. São um apelo veemente ao mundo para que olhe globalmente para este problema.

Por Jorge Teixeira da Cunha

“Não deixemos que o Mare Nostrum se torne um Mare Mortuum”, ou seja, não deixemos que o nosso mar Mediterrâneo se torne um mar de mortos. O problema dos migrantes e refugiados encontra na alma de Francisco uma especial sensibilidade devida a sua própria condição de filho de emigrantes. Mas em todos os que são formados no húmus bíblico, essa sensibilidade não pode estar ausente.

Cm efeito, a memória crente encontra nas Escrituras um testemunho de uma condição humana feita de mobilidade real e de apelo à mobilidade espiritual. A mentalidade abraâmica constrói-se por uma contínua alternância entre o nomadismo e o sedentarismo. Uma das formulações do Decálogo parte da recordação de ter sido estrangeiro e, por isso, ter deveres para com Deus e para com os outros como fonte do direito e da dignidade. Por sua vez, o Novo Testamento alude ao nascimento de Jesus em terra estranha, à sua condição de emigrante no Egipto, à sua expulsão da cidade na hora final da sua vida. Estas coordenadas devem estar na base de nosso pensamento sobre a questão migrantes e dos refugiados.

A história da humanidade é feita de vagas contínuas ocupações da terra, de forma que temos dificuldade em dizer se somos nómadas ou sedentários, por condição. No tempo em que não havia forças de segurança de Estados organizados, as invasões de povos eram frequentes. Lembremos a história de Portugal e como a maioria de nós é descendente dos bárbaros que aqui chegaram, ocasionando a derrocada do Império Romano. Por isso, temos de olhar para as vagas migratórias de batem à porta da Europa nos nossos dias com outros olhos. Parece ser isso que está dizendo e testemunhando o Papa Francisco. De acordo com a orientação pastoral que está dando à Igreja, poderemos resumir algumas ideias para o problema dos migrantes e refugiados, uma distinção que está muito diluída.

A primeira ideia consiste em olhar o problema com um olhar global. Assim como fomos capazes de acudir à pandemia que nos afectou, também podemos ser capazes de olhar o fenómeno migratório com decisão e esforço conjugado. Com os olhos na história, nos direitos à terra e à circulação e à cidadania, podemos chegar a uma resolução do problema. Olhar globalmente o assunto será também o caminho para combater a criminalidade que anda à volta do tráfico de pessoas.

A segunda ideia seria repensar a realidade das fronteiras nacionais. Partindo da ideia de que as fronteiras são formas de afirmar a identidade e a comunicação entre povos, podemos certamente ir mais longe do que temos ido. Não podemos viver sem fronteiras, pois elas separam e aproximam ao mesmo tempo. Por isso, a passagem de uma fronteira é uma mensagem para quem cá está e para quem chega. Neste sentido, a fronteira quer dizer hospitalidade, mas supõe e exige políticas de integração. A Europa tem ignorado este carácter da fronteira e, por isso, tem no seu seio um potencial enorme de conflito que são as pessoas de outras religiões e de outras culturas que não foram integradas. Nem uns nem outros cumpriram as exigências: os europeus não prezam a sua identidade cultural e religiosa; aos que chegam não foi facultada a integração como forma de convivência pluralista sob o domínio de uma legislação racional.

Em terceiro lugar, falta à Europa uma política de aceitação de migrantes que lhe fazem muita falta, devido ao seu declínio demográfico. Essa política devia ser pensada para lá da questão de mão-de-obra que é uma forma imoral de exploração do suor alheio. Talvez a melhor política de admissão de migrantes na Europa devesse privilegiar a aceitação de migrantes com afinidades culturais e religiosas, como forma de facilitar a integração e a manutenção do património ética e cultural.

Francisco apelou nesta viagem a uma política de rosto humano para proteger as pessoas humanas que estão a demandar as fronteiras da Europa e tantas vezes a morrer no mar à nossa porta. Não pode ser outro o olhar cristão e humanista para o tema.