O novo Missal Português

Por Decreto da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, de 13 de outubro do corrente ano de 2021, foi «confirmado e reconhecido» pela Sé Apostólica o texto do novo Missal em português, previamente aprovado pela Conferência Episcopal Portuguesa em 19 de novembro de 2019.

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Com a data da Solenidade de Cristo Rei, a mesma Conferência Episcopal determinou a consequente publicação da terceira edição – «típica» (=oficial, para uso litúrgico) para Portugal – do Missal Romano. Isso quer dizer que nas próximas semanas ela aparecerá nas nossas livrarias, podendo logo ser usada. Entrará oficialmente em vigor na Quinta-feira Santa, 14 de abril de 2022.

Esta revisão tornou-se necessária para adequar o «nosso» Missal às mudanças introduzidas na terceira edição típica latina, com data de 20 de abril de 2000, mas realmente publicada em 2002 e novamente, emendada, em 2008.

Os trabalhos de revisão, confiados ao Secretariado Nacional de Liturgia (SNL), intensificaram-se a partir de 2008. Dominavam então as regras de um rígido literalismo, ditado pela Instrução «Liturgiam authenticam» da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (28 de março de 2001). A Congregação Romana era competente para recusar as traduções aprovadas pelas Conferências Episcopais e impor-lhes correções… Foram, assim, introduzidas numerosas mudanças na versão portuguesa das orações do Missal, nem sempre com melhoria na inteligibilidade dos textos e na sua fluência. Houve, sobretudo, dois pontos geradores de impasse: a versão literal das Palavras de Cristo na narração da Instituição que implicava, nas palavras sobre o cálice, traduzir «pro multis»  por «por muitos»: «Este é o cálice do meu sangue,… derramado por vós e por muitos (corrigindo a tradução vigente: «por todos»); e a tradução do diálogo: «Dominus vobiscumEt cum spiritu tuo» em que a resposta da versão portuguesa («Ele está no meio de nós») se afastava de forma flagrante do literalismo preconizado.

Deve dizer-se que, em relação ao referido diálogo, não haveria qualquer dificuldade, da parte portuguesa, em traduzir «E com o teu espírito», como fazem outras línguas. Muitos liturgistas têm defendido que essa resposta teria um conteúdo mais rico (ver mistagogia de Teodoro de Mopsuéstia, por exemplo), para além de assegurar uma mais perfeita reciprocidade. Mas surgia uma dificuldade: a recomendação, que vem do tempo de São Paulo VI, de os diálogos e as fórmulas sacramentais terem uma tradução comum para todos os países da mesma língua. Em conformidade, havia acordos firmados entre as várias Conferências Episcopais, nomeadamente entre Portugal e o Brasil, cuja última revisão data de 13 de outubro de 2015. As dificuldades de acordo, na tradução deste diálogo, levaram à solução vigente, aprovada em 1969. A resposta dos fiéis «Ele está no meio de nós» sacrifica a reciprocidade mas reafirma em forma aclamativa o dado de fé da presença de Cristo na comunidade reunida – e é esse o sentido fundamental desse diálogo (IGMR 50) – e tem paralelos litúrgicos como, por exemplo, no diálogo da paz («A paz do Senhor esteja sempre convosco. – O amor de Cristo nos uniu»). Enfim, a adoção unilateral da tradução à letra, poderia comportar o sacrifício do princípio da unanimidade nos diálogos. E isto num tempo em que as peregrinações aos grandes Santuários e a celebração de encontros internacionais de diversa índole multiplica os encontros de fiéis de várias nações.

Já quanto à adoção de «por muitos» em vez de «por todos», o problema suscitado era não só psicológico, mas teológico. Aparentemente, estaria a excluir-se o princípio da universalidade da salvação. Pouca eficácia teria a catequese que explicasse aos fiéis que «por muitos» quer dizer «por todos», porque Deus quer que todos se salvem e Cristo derramou o seu sangue por todos, sem exclusões. Os fiéis diriam que os responsáveis pela edição do Missal eram tolos… Se «por muitos» quer dizer «por todos», então porque é que se corrigiu o que já estava bem! Se a correção era necessária, coerentemente com a mudança, Cristo não morreu «por todos» mas apenas «por muitos»!

Foi a intervenção do Papa Francisco que permitiu superar esses impasses, abrindo caminho à nova edição do Missal Romano em Português.