Era o dia 4 de dezembro de 1980. A notícia caiu, abrupta e inquietante: “O Dr. Sá Carneiro morreu num desastre de avião”. Ainda ressoava nos meus ouvidos a sua gargalhada quando, em 5 de julho, meu filho João, de 3 anos, lhe perguntou: “Ontem, vi-o dentro da minha televisão. Como é que saiu de lá para fora?”
Por João Alves Dias
Conheci-o quando, em nome de D. António, o convidei para a direção que geriu a Obra Diocesana de Promoção Social a partir de 1971.
Faz 50 anos. Já então liderava a “Ala Liberal” da Assembleia Nacional.
Ficaram famosas as suas diatribes com a ala mais conservadora da Assembleia. Deram brado os seus projetos de lei, nomeadamente sobre ‘Revisão da Constituição’, ‘Lei de Imprensa’, ‘Liberdade de Associação’, ‘Liberdade de Reunião’, ‘Alteração ao Código Civil’, ‘Organização Judiciária’. Todos foram retirados de discussão. Mas foi o último, sobre a ‘Amnistia de crimes políticos’ que apressou a sua “declaração de renúncia “ em 25 de janeiro de 1973. Nele defendia: “São amnistiados os crimes políticos e as infracções disciplinares da mesma natureza” (art. I); “Os amnistiados serão reintegrados nos seus cargos, se assim o requererem.” (art. II)
Na apresentação da renúncia, começou por aludir à sua ‘declaração prévia’: “Quando, em 1969, aceitei a candidatura a Deputado logo dei conhecimento das condições dessa aceitação: a de que ela não implicava o compromisso de apoiar o Governo e tinha essencialmente como fim pugnar pelas reformas políticas, sociais e económicas assegurando ‘o exercício efectivo dos direitos e liberdades fundamentais expressos na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos do Homem’. (…)
E terminou: “A sistemática ‘declaração de inconveniência’ atribuída aos meus projectos, levam-me a concluir à evidência não poder continuar no desempenho do meu mandato sem quebra da minha dignidade, por inexistência do mínimo de condições de actuação política livre e útil que reputo essencial. Assim, renuncio ao mandato de deputado.” (in Sá Carneiro e outros, Vale a Pena Ser Deputado – Dezembro de 1973).
Deixo-vos com o elogio que Pinto Machado, ilustre professor da Faculdade de Medicina do Porto, proferiu na Assembleia, após a sua renúncia:
”Sá Carneiro, vivendo tremendamente a sério o seu mandato, produziu notável acção parlamentar, sempre com impecável correcção e respeito. (…) Intrépido e claro nas intervenções, directo e objectivo nas explicações, preciso e cortês nas interpelações, afável no convívio informal, com facilidade invulgar de resposta pronta e certeira – muitas vezes temperada de saboroso humor – sempre leal.” (…) Foi integralmente fiel ao seu compromisso público de aqui defender princípios que considerava indispensáveis a uma vida política normal, por se ligarem aos mais altos valores da dignidade humana”. (in Sá Carneiro e outros, Ser ou não Ser Deputado- Abril de 1973)
Ao evocar a ação de Sá Carneiro pré-’25 de Abril’, desejo ainda:
-relevar os deputados do Porto, José da Silva, Joaquim Macedo e Pinto Machado que também subscreveram a ‘declaração prévia’;
-manifestar gratidão a Maria Elisa Barbosa, Silva Ramos, Silva Carneiro e Fernando Távora que, com ele, partilharam a direção da Obra Diocesana;
-prestar homenagem a D. António que inspirou e congregou à sua volta uma plêiade de cristãos ilustres.
“Ninguém é de ninguém”, como canta João Pedro Pais…