A sabedoria desde o Livro dos Provérbios até aos nossos dias

Caiu-me na pantalha do computador, em mensagem que não consegui identificar, mas que claramente vem do outro lado do Atlântico, algo como “sete conselhos sábios do Livro dos Provérbios”.

Por M. Correia Fernandes 

Foi uma chamada de atenção para um livro da Bíblia que merece a normal atenção para os textos do Missal, mas que constitui um repositório notável do que a própria Bíblia chama Sabedoria. E sabemos que no nosso tempo de muitos saberes, verdadeiros ou supostos, a Sabedoria continua a ser uma ausência ou um esquecimento. Por esta razão, vale a penas recordarmos esses conselhos, que sendo sete poderiam ser setenta vezes sete.

Todos os grandes poetas e pensadores escreveram algum dia sobre a sabedoria humana, alguns assinalaram a sabedoria divina, chamando a esta aquela que conduz a Deus. Os livros sapienciais não são os únicos que traduzem a sabedoria na Bíblia: ela encontra-se dispersa particularmente nas páginas dos Evangelhos. Mas este encontro com os chamados livros sapienciais mostra como quem procura a sabedoria encontra nela o rosto de Deus e a antecipação da mensagem de Cristo. Bem se pode afirmar que “O temor de Javé é o princípio da sabedoria” (Prov. 9,10) e por isso é que o tema da sabedoria se encontra disperso pelos livros da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento. Também o apóstolo Tiago lembra que aquele que busca a sabedoria deve buscá-la no próprio Deus que a dá liberalmente a todo aquele que a pede” (Tiago, 1,5). Mais eloquente é a grande afirmação paulina: “Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem” (1 Cor,23), contrapondo assim a sua negação como forma de afirmação.

A palavra sabedoria provém do grego sophia procurando traduzir a “inteligência plena”, não apenas o conhecimento, mas o a atitude intelectual e moral de avaliar todas as coisas, acontecimentos, circunstâncias e situações da vida, e o uso equilibrado do conhecimento na busca do sentido último de todas as coisas. Já os filósofos gregos cultivaram este sentido da sabedoria, a que os pensadores cristãos associaram a sabedoria divina, tanto na natureza, como na providência na condução das coisias humanas.

O Livro dos Provérbios é atribuído a Salomão, que ficou na história bíblica como a expressão de toda a sabedoria da tradição hebraica. Mas os autores posteriores dos livros sapienciais certamente beberam no espírito helénico em que estavam inseridos este relacinamento entre a riqueza do pensamento humano e o sentido da inserção deste na dimensão divina, na Providência.

É certamente neste sentido que podemos encontrar as palavras oportunas entre tantas outras das sentenças do Livro dos Provérbios, conforme eram recordados nessa mensagem que foi divulgada e que poderríamos ordenar assim:

  1. O princípio de toda a sabedoria: Confia no Senhor de todo o coração, reconhece o Senhor em todos os seus caminhos e ele endireitará as suas vetredas.
  2. Atitudes morais: quando vem o orgulho, chega a desgraça, a sabedoria está com os humildes; properará aquele que é generoso.
  3. O valor da palavra e do conhecimento: quem guarda boca guarda a vida; quem fala demais arruina-se, aquele que respeita o saber será recompensado.
  4. A valorização da experiência: o homem prudente escohe o seu caminho que segue com segurança.
  5. A prudência: mais vale controlar o seu espírito do que conquistar uma cidade.

O recurso a estas sentenças lembra-nos  palavras esquecidas de grandes emstres, como António Vieira: “Os exemplos dos tempos passados costumam ser as regras e documentos para os presentes e futuros”. Ou este retrato das políticas ou dos reinos e estados ou dos discursos de hoje: “Muitos cuidam da reputação, mas não da consciência”.

Mas o último sentido de todas as coisas, palavras e gestos, encontra-se expresso no terceto final do soneto XIV dos Passos da Cruz, meditação sobre todo o sentido do humano e do universal, meditação em que reside toda a sabedoria:

A paisagem longínqua só existe
Para haver nela um silêncio em descida
Para o mistério, silêncio a que a hora assiste…

E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida…
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo