
A Cimeira de Glasgow terminou e as conclusões deixam muito a desejar. Mas uma coisa é certa: um problema existe com o estilo de vida da humanidade.
Por Jorge Teixeira da Cunha
Haverá boa vontade para o resolver, mas a vontade, por muito boa que seja, como o demonstra o resultado das cimeiras do clima não é suficiente para resolver o assunto. Os cristãos têm um grande contributo a dar para pensar e para ajudar nesta matéria. Mas é necessário mobilizar outros recursos.
O primeiro recurso que temos é a memória. O clima é um dos assuntos sobre que versa a memória bíblica. Tanto no Antigo como no Novo Testamento há elementos muito interessantes para pensar as mudanças climáticas, para lá dos dados científicos e da moral nominalista. Uma longa secção dos primeiros capítulos do Génesis trata da questão do clima: são as narrações relativas ao dilúvio e à missão de Noé. Há duas coisas a ter em conta: o desequilíbrio climático é visto como consequência do aumento da população e do fracasso da acção humana que chamamos “pecado”. Perante esse grande problema, o texto mostra Deus como que arrependido de ter criado o ser humano sobre a terra. E, no entanto, a vida segue o seu caminho mediante a missão de Noé e da sua posteridade. É pela promessa divina, continuamente renovada, que a vida de humanos e dos outros viventes é possível e tem continuidade. Por outro lado, o Novo Testamento mostra o equilíbrio dos elementos do mundo ligados ao sono de Jesus na barca de Pedro, sono interrompido pela angústia dos apóstolos que vêm perigar a sua vida. Acalmada a tempestade, por acção de Jesus, é pela fé dos homens que a navegação continua e a vida se mantém.
De acordo com estas memórias fundadoras, vemos que a questão do clima está intimamente relacionada com o modo de habitação da terra pelo ser humano. Este modo de habitação está intimamente ligado com o acto de fé que religa o ser humano à sua origem imemorial e permite que a providência divina continue a ser o fundamento da vida de todos os viventes. Não tem qualquer sentido dizer que, sem corrigir as alterações do clima, a terra continuará a existir sem os seres humanos. Pelo contrário, é pelos seres humanos que as condições de continuidade da vida serão asseguradas. Por outras palavras, podemos dizer que não há cosmos sem humanidade e que a liberdade humana só é possível como acto de fé.
Este tipo de factores podem parecer completamente inócuos na cultura de hoje. Mas isso pode ser fatal. Esta cultura é baseada na ciência e na técnica. A ciência é uma descrição fria de um objecto, sem distinguir entre átomo e sentimento, entre corpo celeste e corpo animado. Por este caminho não se chega a nenhum desígnio inteligente nem a nenhum sentido para a vida. Por isso, para a ciência, a questão do clima é igual a todas as outras questões e nenhuma ética é possível, a não ser a tal boa vontade desprovida de qualquer eficácia para mudar o estilo de vida e ingressar com valentia decidida num universo moral que que possa receber a salvação e a cura para os males que nos afligem.
Isto não quer dizer que, apesar de tudo, não haja reservas de humanidade. Basta olharmos para os impulsos sinceros da juventude. Mas estes impulsos necessitam de ser conduzidos para a sua fonte que vem de mais longe do que a boa vontade. A fonte da realidade é a subjectividade humana religada à sua origem divina, origem essa que se recebe como promessa e como esforço e não apenas como construção assente na descrição científica do mundo. A confluência do sentido originário de habitar a terra como dádiva divina faz-se também acção comum, política, mas esta não funciona sem aquela.
Os cristãos, com o Papa Francisco ao timão da barca de Pedro, têm dado o seu contributo. A sua voz está um tanto desvalorizada pelos factores que têm tirado pertinência à nossa voz. Mas a fé é sempre um novo começo, para lá do impulso de destruição que faz o próprio Deus desacreditar da viabilidade do mundo. Porém, a lição de Noé e sobretudo a iniciação que temos em Jesus diz-nos que é sempre possível recomeçar. Assim, haja militância de jovens cristãos valentes e radicados na divina fonte da vida que assegura a continuidade da história.