Pobres sempre tereis convosco

Esta expressão, escolhida pelo Papa Francisco para tema da sua mensagem para o Dia Mundial dos Pobres deste ano, surge no Evangelho (Mateus, Marcos e João) como louvor de um exemplo de generosidade amorosa em contraste com a constatação de uma realidade social, e não como louvor da pobreza nem da sua inevitabilidade.

Por M. Correia Fernandes

A mensagem do Papa Francisco sobre esse tema torna-se esclarecedora e apelativa: Como se pode dar uma resposta palpável aos milhões de pobres que tantas vezes, como resposta, só encontram a indiferença, quando não a aversão?

Qual caminho de justiça é necessário percorrer para que as desigualdades sociais possam ser superadas e seja restituída a dignidade humana tão frequentemente espezinhada? Um estilo de vida individualista é cúmplice na geração da pobreza e, muitas vezes, descarrega sobre os pobres toda a responsabilidade da sua condição.

Mas a pobreza não é fruto do destino; é consequência do egoísmo. Portanto é decisivo dar vida a processos de desenvolvimento onde se valorizem as capacidades de todos, para que a complementaridade das competências e a diversidade das funções conduzam a um recurso comum de participação.

Por isso propõe o Papa uma abordagem diferente da pobreza. É um desafio que os governos e as instituições mundiais precisam de perfilhar, com um modelo social clarividente, capaz de enfrentar as novas formas de pobreza que invadem o mundo e marcarão de maneira decisiva as próximas décadas”.

Nas numerosas reflexões que organismos e movimentos da Igreja produziram a propósito deste dia, ressaltam aspectos que nos devem interpelar. O primeiro é o confronto com a grandiosa cimeira da terra que nesse dia ocorria e que terminou com uma mensagem a um tempo esperançosa e triste: a cimeira do clima, cimeira de países ricos que nesse dia (como nos outros) esqueceram a pobreza. Impõem-se certamente muitas cimeiras de países ricos sobre a pobreza, já que os países pobres muitas vezes conduzidos e dominados por oligarquias ricas, não têm nem meios nem disponibilidade para as realizar. Melhorar o clima deve conduzir a melhorar as pessoas.

Outra mensagem importante, sobretudo entre nós, é que a causa maior da pobreza é a insuficiência da remuneração de quem  trabalha, e sobretudo por causa do valor inconcebivelmente baixo das reformas de quem trabalhou, causa da grande desigualdade, cuja superação deve tornar-se um desígnio nacional das estruturas do Estado.

Outra ideia que deve ser tida em conta: uma das maiores causas de pobreza é constituída pela “desestruturação familiar”, realidade em que não se tem pensado: famílias monoparentais depressa caem na pobreza, dada a insuficiência de rendimentos.

Outra ideia que deveria ser mobilizadora é a consciência de que em Portugal cerca de 20% da população se encontra tecnicamente em situação de pobreza.

Tudo isto implica que a nossa sociedade, as ideias ventiladas e faladas na opinião pública, nos projetos e propostas políticas agora especialmente relevantes em período eleitoral se voltem menos para questões de poder e domínio e mais para a solução destes problemas básicos da nossa sociedade. Será preciso emagrecer o Estado para criar disponibilidade para os cidadãos.

Diz Francisco que as situações de pobreza devem estar no coração da Igreja. Todos sabem que as instituições da Igreja são as que mais procuram solucionar no concreto muitas situações de pobreza, umas mais visíveis, outras menos visíveis, como a situação de pobreza de pessoas empregadas, o que no dizer da Presidente da Caritas deve tornar-se um abanão para a consciência social.

Assinala o Papa que a expressão “ Sempre tereis pobres entre vós” deve constituir  “um convite a não perder jamais de vista a oportunidade que se nos oferece para fazer o bem”, não apenas para o indivíduos como para a sociedade: passar da assistência imediata a políticas  de promoção e valorização do trabalho. É uma função das estruturas governamentais, das estruturas autárquicas e de tantos organismos cuja missão é a solidariedade. Que por vezes é esquecida nas regras das estruturas oficiais. Mais importante que assinalar a percentagem de pobres, como fazem organismos oficiais, é pôr as estruturas governamentais e autárquicas  a ir ao encontro dos pobres.

O primeiro gesto é a sua promoção humana, não tanto através da esmola, mas do dar resposta aos seus direitos e apelar também aos seus deveres: os apoios sociais não podem servir para a inércia ou para a preguiça: só o trabalho dignifica.