É verdade que a primeira comunidade cristã não deu grande importância ao lugar onde se reunia. Neste aspeto, demarcava-se com nitidez da mentalidade pagã e mesmo judaica. Os cristãos possuíam a convicção de que “o Altíssimo não habita em casas feitas pela mão do homem” (At 7, 8) e que o verdadeiro templo onde Deus habita é o Senhor Ressuscitado (Jo 2, 19; Col 2, 9) e a comunidade de pedras vivas n’Ele edificada (Ef 2, 19-22; 1 Pd 2, 4-5). Onde quer que esteja, esta comunidade, unida a Cristo, pode orar em “espírito e verdade” (Jo 4, 24). Tal modo de conceber e de proceder sublinha a primazia da comunidade dos crentes sobre o edifício.
Sem embargo, é de registar que a IGMR, no seu primeiro parágrafo, começa por referir que «quando Cristo Senhor estava para celebrar com os discípulos a ceia pascal, na qual instituiu o sacrifício do seu Corpo e Sangue, mandou preparar uma grande sala mobilada (Lc 22, 12). A Igreja sempre entendeu que esta ordem lhe dizia respeito» (IGMR 1). Consequentemente, desde o princípio, os cristãos procuraram um lugar adequado para as suas reuniões e celebrações. Hoje sabe-se que, já antes da época constantiniana, em que foi assegurado à Igreja o direito à liberdade de culto, os cristãos começaram a construir edifícios de raiz para as suas assembleias celebrantes.
Efetivamente, não é a mesma coisa reunir-se num estádio, num ginásio, numa sala de aulas, num auditório ou numa garagem. Porque, para além de pressupostos de caráter funcional (reunião, abrigo, atividades previstas para o espaço, visibilidade, acústica…) há que atender ao ponto de vista simbólico que, necessariamente, se impõe quer a partir da natureza e identidade das assembleias congregadas – Povo santo e sacerdotal de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo – quer a partir das ações que nesses lugares se realizam: a escuta da Palavra e a celebração dos “divinos mistérios”. As artes plásticas não só atendem à funcionalidade, mas sobretudo procuram configurar uma identidade.
Sobre os edifícios sagrados, a Instrução Geral do Missal Romano diz que, “na sua disposição geral, devem reproduzir de algum modo a imagem da assembleia congregada…” (IGMR 294); além disso, devem ser “dignos e belos, como sinais e símbolos das realidades celestes” (IGMR 288). Ou, como preconiza o Pontifical da Dedicação da Igreja e do Altar: o edifício de pedras “será sinal visível daquela Igreja viva ou casa de Deus, que eles próprios [os fiéis]constituem” (Cap. I, n. 1). Desse modo, as nossas igrejas deverão ser uma espécie de teologia em pedra, silenciosa mas permanente, sobre a Igreja. Eis porque construir uma igreja não é uma tarefa fácil, nem deve ser encarada levianamente.
Não pode, obviamente, descurar-se a funcionalidade, mas até esta não pode deixar de ser simbólica tal como o próprio agir litúrgico da comunidade. Isto implica uma atenção particular ao espaço, à proximidade e visibilidade e pressupõe o conhecimento do ser e do agir da comunidade que «habita» cada Igreja. Recorda a IGMR que as igrejas «devem ser aptas para a conveniente realização da ação sagrada e para se conseguir a participação ativa dos fiéis» (IGMR 288). Deverá evidenciar a centralidade (espacial, pragmática e simbólica) dos três polos da Eucaristia (o altar, a cadeira e o ambão); promover a comunicação/diálogo entre presbitério e nave; possibilitar movimentos, nomeadamente processionais; permitir as diferentes atitudes corporais dos fiéis, previstas nos vários ritos; dispor o lugar dos diversos ministros e do Coro; prever os espaços para a reserva eucarística, a oração pessoal e celebrações de pequenos grupos; enquadrar a celebração dos distintos sacramentos e outras ações sagradas (batismo, reconciliação, matrimónio, exéquias, etc.), em suma, estar ao serviço de toda a vida de culto da comunidade cristã nas suas múltiplas expressões e, sobretudo, da sua manifestação principal e culminante: a Eucaristia.
Para ser verdadeiramente «habitável», a igreja há de, pois, aparecer como sinal para os crentes, pela sua força convocadora, como polo de referência da sua fé e pertença a uma comunidade, como lugar de crescimento espiritual e de missão apostólica. Mas para todos, mesmo não crentes, não deixará de ser, mediante a linguagem universal da arte, um refúgio de paz, um convite à transcendência, uma afirmação dos valores do espírito e um anúncio do Evangelho da esperança.