
Foi reapreciada e aprovada na Assembleia da República, no passado dia 5 de Novembro, a lei que estabelece as condições em que a morte medicamente assistida não é punível por lei.
Por Jorge Teixeira da Cunha
As nossas elites iluminadas não viram nenhum inconveniente em que o texto aprovado não fosse público antecipadamente. Mas não admira, uma vez que os titulares dos Estados de hoje sentem-se legitimados para seguir na vanguarda daquilo que entendem ser melhor para o povo. Desde o ponto de vista de uma bioética humanista e cristã, esta aprovação merece alguns comentários.
O pior de tudo não parece ser a lei que despenaliza a prática da morte de uma pessoa moribunda, em contexto legal. Já temos outras leis que vão no sentido de isentar de pena outros comportamentos que repugnam à ética de muitos. É o caso do aborto e de outras situações. A nosso ver, o problema maior é a sensibilidade que manifestam em relação à compreensão da vida pelos nossos contemporâneos. Os promotores das leis em questão dirão que a sua aprovação está cheia de valor moral, de incremento da liberdade e da democracia, que é um sintoma do aumento da autonomia e da responsabilidade. Mas esse não é o único modo de ver.
De facto, a pressa na aprovação destas leis mostra opções antropológicas é éticas muitos discutíveis. A mais discutível, a nosso ver, é a ideia de que o ser humano é um produto do acaso das forças da natureza, é mais um vivente no meio de outros viventes, sem nenhuma particularidade de outra origem, seja transcendente, seja espiritual, em sentido lato. Ora esta visão é muito preguiçosa e muito redutora. Ela é veiculada pelos conhecimentos científicos que têm uma hegemonia, em boa verdade injustificada, na nossa cultura. Se o ser humano é apenas um acontecimento da natureza, qual a razão para pensar a morte de outro modo que não seja como último acto do tempo que lhe é dado, momento conclusivo quase sempre em circunstâncias dolorosas e dramáticas? Mas este modo de ver científico é muito preguiçoso de desprovida de cientificidade, vista como perscrutação infinita da razão de ser dos fenómenos. Os filósofos e teólogos não estão desprovidos de responsabilidade nesta conclusão apressada do processo de conhecimento, pois de um encerramento apressado se trata, na conclusão de que o ser humano é mais um entre os fenómenos da natureza.
A continuação lógica deste raciocínio é a ideia de que o ser humano é constituinte de si mesmo. Que mais há a dizer: se a cultura consiste numa descrição apressada, a liberdade é fundada também apressadamente. Se o fundamento da vida é um acto de vontade, qual a razão de ser da insensatez ética da antecipação da morte? Ainda por cima, se frequentemente o dramatismo dos momentos finais está à vista de todos. É por este caminho que vamos e convém que o façamos rapidamente e com a menor participação possível de possíveis objecções. Foi isso que fizeram os nossos representantes parlamentares, muito seguros de que o contrato com os eleitores inclui todos as faculdades. Ninguém é obrigado a pedir a eutanásia, dizem. É verdade. Mas podemos objectar que as leis positivas sempre supõem um valor e, por isso, nunca são indiscutíveis.
Qual deve ser o caminho da Igreja Católica e de outros movimentos que não se revejam na letra ou no espírito das leis fracturantes? Haverá lugar a uma oposição directa, feita do direito de manifestação, da oposição sistemática, da punição eleitoral de quem aprovou e assim por diante. Porém, para lá disso, deve haver a iluminação esforçada e continuada do sentido da vida humana e do fundamento da ética. Quanto a este ponto, a nossa Igreja deve ter um papel mais interventivo. A Universidade Católica tem sido um tanto modesta nesta tarefa que lhe cabe de iluminar, perguntar, formar opinião científica, filosófica e teologicamente fundada. Mas ainda está a tempo de o fazer, de forma a evitar que não sejam muitos os que venham a recorrer à faculdade de abreviar o tempo da vida que se aproxima do fim.