Redescobrir hoje o génio grego e o espírito clássico

Há iniciativas que a cultura mediática dos dias de hoje parece esquecer. Uma delas é a atenção e o interesse pelo universo clássico. E dentro dele, ou inspirador dele, o génio grego. É que encontramos no volume VI do conjunto “Alguns livros da minha biblioteca e outras histórias”, (1) a  que Francisco Marques tem vindo a dedicar uma valiosa investiga e divulgação.

Por M. Correia Fernandes

Sophia de Mello Breyner foi por certo, entre todos, a poeta que muito adentrou no espírito do mundo grego e no universo das suas dimensões humanistas e civilizacionais, espirituais e antropológicas, como se pode lembrar do seu poema do Livro Sexto (de temática dedicada ao universo grego), que começa “Ressurgiremos”: “para olhar para a terra de frente… e erguer a negra exatidão da cruz / na luz branca de Creta”. O próprio autor deste livro a recorda com a apresentação do seu poema “Crepúsculo dos Deuses”: A claridade dos deuses venceu os monstros de todos os frontões de todos os templos, essa busca constante da luz que ilumina todo o homem, no dizer do Prólogo do Evangelho de S. João. A luz branca de Creta é também a Luz que nasce do Verbo.

De vez em quando surgem então obras que lhe procuram desvendar o véu de um universo clássico que entre nós refloresceu no século XVI, em palavras e escritos de lembradas personalidades como Duarte Nunes de Leão ou Frei Amador Arrais, que naquele livro ombreiam com a presença de Aristóteles, Xenofonte (lembrado como discípulo de Sócrates) ou o príncipe dos oradores clássicos, Demóstenes.

De Frei Amador Arrais (1530-1600), que foi Bispo de Portalegre, falecido depois em Coimbra, onde se doutorou em Teologia e Artes pelos anos de 1550-1560, onde foram publicados os Diálogos, que viram a luz impressa no final do século XVI, em 1589, pouco depois da sua resignação em 1596, e pouco antes da sua morte no ano de 1600. Havia sido escolhido para Bispo de Portalegre pelo próprio Rei Filipe II, ao ter conhecimento do excelência dos seus sermões. Nas histórias da Literatura figura sempre como um dos cultores do género didáctico e da oratória, ao lado de figuras como Frei Heitor Pinto e Jerónimo Osório. Da sua doutrina, para além da apresentação dos sãos e bíblicos ensinamentos, sobressai quer a capacidade de atenção às necessidades dos mais pobres, quer o trabalho pela redenção dos cativos, quer ao valor da dignidade humana (“em todas as cousas do mundo… o maior milagre e mais rara maravilha é o homem” (Diálogo VIII), quer mesmo a atenção pela boa linguagem e escrita.

Os livros referenciados e comentados nesta espécie da “antologia documental” foram todos publicados ao longo do século de 1500, começando pela obras de Homero (1583), com a Ilíada, a Odisseia, a “Batraquiomiomaquia” e hinos do épico, de que poderíamos apreciar o sentido naturalista buscado como exemplo do esforço humano, ao afirmar “Tal como a ave leva no bico a seus pintos implumes aquilo que encontra, enquanto ela própria passa mal, de igual modo mantive vigília durante muitas noites e suportei dias sangrentos em actos de guerra”.

Nota o autor que os poemas homéricos continuam a levantar muitas questões (identificação do autor, data ca composição, antiguidade dos poemas).

Outras obras que ali podem ser encontradas nos frontispícios originais e depois comentadas pelo autor, encontram-se obras de Platão, chama “divino” (traduzidas pelo humanista italiano Marcílio Ficino, 1433-1499),a Retórica de Aristóteles (1576), a História da Guerra do Peloponeso de Tucídedes (1574), de Xenofonte (Todas as obras que existem), em edição bilingue do texto grego e latino (1569), de Demóstenes e Ésquines, “príncipes dos oradores da Grécia” (1572), de Diógenes e Hesíodo (dois volumes, 1593), e mesmo Elementos da Geometria de Euclides (1587) e os Rudimentos de Música, de Euclides (1557), esta classificada como “raríssima obra”.

De Duarte Nunes de Leão encontra-se a “conhecida obra” denominada “Leis Extravagantes” (1569), depois integradas nas Ordenações Filipinas em 1603, e uma “Ortografia da Língua Portuguesa, obra útil e necessária” (já então!) e a Primeira Parte das Crónicas dos Reis de  Portugal (1600). Há ainda uma “Historia de Bello Africano”, sobre a ação do Rei Sebastião (1580), Alegações sobre a legitimidade da sucessão régia (1580) e a “Relação das Exequias d’El Rey Dom Filipe Nosso Senhor, em 1600). Há também umas Constituições da Ordem de São Bento” (1571) e mesmo uma “Concordância” bíblica de 1539.

Isto é apenas uma relação, mas a observação e a leitura desta obra permite-nos realizar uma revisão em estilo hodierno de drone sobre um tempo do nosso rico tempo cultural do século XVI, com sugestões para o conhecimento do presente, nomeadamente na atenção ao rico universo clássico. Fica a sugestão.

(1) Francisco Marques, Alguns livros da minha biblioteca e outras histórias, Porto, Ed. Modo de Ler, agosto de 2021. 320 pág. Significativamente, este volume é dedicado “Aos Padres Claretianos dos Carvalhos, onde iniciei a minha cultura humanista”. No texto utilizamos a escrita atualizada dos textos clássicos.