Tempo da Esperança

Foto: Rui Saraiva

O ano litúrgico caminha para o seu termo, tingido com as cores da esperança. E não uma pequena esperança, das muitas de que se tece qualquer  existência humana e cristã: trata-se da grande Esperança, do futuro absoluto de que o Deus-Amor nos faz presente para que possamos erguer a cabeça e acreditar contra toda a esperança (cf. Rom 4, 18) n’Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus de entre os mortos e que também nos há de ressuscitar a nós com o Seu poder.

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

No plano teórico discute-se se o ano litúrgico começa ou termina com o Advento… As edições atuais do Missal e da Liturgia das Horas começam com os formulários do Advento. Segue-se, depois, o Natal com a sua oitava, a Epifania, um primeiro período de Tempo Comum de duração variável (conforme a data móvel da Páscoa), a Quaresma que culmina no Tríduo Sagrado da Páscoa a abrir o felicíssimo Tempo Pascal que, após o seu apogeu no Pentecostes, dá lugar ao período mais longo do Tempo Comum com o qual se encerra o «Próprio do Tempo» ou seja, a celebração do Mistério de Cristo no decorrer do ano. Entretanto, folheando as fontes mais antigas quer do Rito Romano quer dos Ritos Ocidentais, verifica-se que nem sempre foi assim: regra geral, os «livros» litúrgicos medievais abriam com o Natal e o ciclo «temporal» terminava com os formulários dos domingos de Advento…

Desse modo, o ano litúrgico simbolizava melhor a nossa história da salvação em que tudo se consumará com a Parusia gloriosa do Senhor Jesus, objeto último da esperança cristã. Assim se explica o carácter eminentemente escatológico do Advento Romano. E assim se compreende melhor a continuidade de clima espiritual entre os últimos domingos do ano litúrgico, na sua organização atual, e os primeiros do ano subsequente, com o recente intercalar da solenidade de Cristo-Rei que, mais do que delimitar os ciclos, como que os liga e conjuga.

É interessante advertir que também a Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium parece sufragar essa perspetiva ao recordar que a Santa Mãe Igreja «distribui todo o mistério de Cristo pelo correr do ano, da Encarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, e à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor» (SC 102).

Independentemente da referida questão teórica, importa qualificar positivamente este período terminal do ano eclesiástico, sobretudo após a solenidade de Todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis Defuntos, como o tempo da esperança e recuperar a tensão escatológica que o caracteriza. Dantes, quando a perspetiva litúrgica estava obscurecida, em vez da visão grandiosa do Ano da Graça do Senhor falava-se na sucessão dos «meses»: ao «mês do Rosário», de coloração mariana, seguia-se o «mês das almas». A perspetiva escatológica estava, certamente, presente, associada ao sentimento humano da saudade e à vivência teologal da Comunhão dos Santos traduzida em várias formas de sufrágio dos irmãos que nos precederam marcados com o sinal da fé e agora dormem o sono da paz. Assim se alimentava também, nos crentes, a consciência de serem peregrinos, em trânsito, a caminho – in via – da Jerusalém do alto, a nossa Mãe. Mas na consideração dos «novíssimos», a perspetiva da Morte dominava, sempre associada ao temor do Juízo. E a vivência da Esperança era como que adiada para os domingos que mais de perto preparavam o Natal.

A proposta litúrgica, consubstanciada no Leccionário e no Missal, é a de vivermos este final do ano da graça como Tempo da Esperança dando-nos conta de que, no Símbolo Niceno-Constantinopolitano, habitualmente professado na celebração dominical da Eucaristia, o «creio» desemboca no «espero»: «Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir». Valorizem-se, também, os momentos da celebração eucarística em que melhor se exprime a dimensão escatológica da Liturgia: a parte do prefácio que desemboca no canto do Santo («protocolo final» ou «escatocolo» do prefácio), o próprio Santo, a Anamnese e aclamação de anamnese («vinde, Senhor Jesus») em que ecoa o «maranatha» das primeiras gerações, as comemorações dos Santos, a doxologia final da oração eucarística, a parte final do embolismo do Pai-Nosso com a doxologia que a conclui («vosso é o Reino…»), o próprio convite à comunhão que proclama a felicidade dos convidados a participar na escatológica Ceia do Cordeiro…

A Liturgia eucarística é sempre o lugar por excelência onde a Fé se transforma em Esperança, para vivificar a Caridade e alimentar a Comunhão.