Muito de nós recordaremos a insistência com que São João Paulo II pedia que se inserisse uma referência às “raízes cristãs da Europa” no preâmbulo da sua «Constituição». O que não foi feito por manifesta má vontade ou incompreensão de alguns.
Curiosamente, o tema dos alicerces da Europa voltou à ordem do dia. E nem sempre por boas razões. Pense-se em certos regimes do Leste que estão a substituir a democracia liberal por um certo autoritarismo em nome da “memória coletiva” e sua defesa. Ou nos populismos, baseados na ideia de que há que recuperar a identidade e fechar as portas aos de fora.
Então, como entender o tema das raízes cristãs do nosso espaço cultural? O Papa Francisco tem-se esforçado por interpretar em chave nova este espírito comum, detetável não em formas de governo, específicas leis ou costumes, mas numa particular sensibilidade que carateriza a «alma» da sociedade ocidental.
De facto, certamente com avanços e recuos, com simpatias e animosidades, esta foi-se edificando à base de noções tipicamente evangélicas, tais como solidariedade, preocupação com os frágeis, compromisso social, fraternidade, acolhimento e integração de outros povos, promoção dos direitos e liberdades e respeito pelas minorias. Mesmo quando estes valores foram difundidos pela laicidade, pois esta, no nosso contexto, é a outra face da mesma moeda.
Neste «cristianismo de pontes» é que se encontra a memória e as raízes. Não num regime exclusivista. Mas numa cultura aberta. Os frutos são o ecumenismo, a não discriminação, a sociedade plural e a coexistência pacífica. Mesmo sabendo que isso se opõe à nossa visão redutora que, instintivamente, pretende fazer do outro uma cópia de nós mesmos.
Aí por 1920, Hilaire Belloc explanou a sua conceção de cristandade e cunhou uma frase que se tornaria célebre: “A fé é a Europa e a Europa é a fé”. Isso possui alguma verdade? Sim, se os cristãos não forem facciosos e a Europa não se enredar num individualismo que a adormece e lhe retira o vigor para se apresentar ao mundo como expressão da mais-valia de um bem-comum construído na diversidade solidária.
Mas também se não estrangular a religião, seiva que mantém viva a árvore, lhe garante frescura e proporciona frutos apetecíveis. Doutra forma, a árvore definha, como os mais pessimistas juram que está a acontecer.
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