Sínodo. “Que Deus se faça presente no mundo pela disponibilidade que criamos”

Foto: Vatican Media

Na sua última reflexão sobre sinodalidade, o padre Sérgio Leal afirma que “a Igreja do século XXI marcará a sua presença no mundo e a sua ação pelo modo como for capaz de acolher a todos”. Mas alerta que todo este processo sinodal pode ser uma oportunidade perdida.

Por Rui Saraiva

No domingo dia 10 de outubro o Papa Francisco abriu oficialmente um longo caminho sinodal de 2 anos até 2023. Na Missa na Basílica de S. Pedro, o Santo Padre colocou uma interrogação que deve fazer refletir muito todos os membros da Igreja:

“Ao abrir este percurso sinodal, comecemos todos (Papa, bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos, irmãs e irmãos leigos) por nos interrogar: nós, comunidade cristã, encarnamos o estilo de Deus, que caminha na história e partilha as vicissitudes da humanidade?”

E continuou:

“Permitimos que as pessoas se expressem, caminhem na fé – mesmo se têm percursos de vida difíceis -, contribuam para a vida da comunidade sem serem estorvadas, rejeitadas ou julgadas?”

O padre Sérgio Leal, acompanhou-nos nas últimas semanas. Está a concluir doutoramento na Pontifícia Universidade Lateranense em Roma e defendeu em 2018 uma tese de licenciatura sobre a sinodalidade como estilo pastoral.

Escutar a partir das pessoas

O sacerdote refere que o Papa Francisco quer escutar as comunidades locais a partir das pessoas, num caminho sinodal que vale por ser isso mesmo, um caminho:

“Um caminho sinodal vale em primeiro lugar pelo caminho. Isto é, o facto deste caminho sinodal ser mais alargado na escuta do que nos sínodos precedentes. Pela primeira vez temos um processo que começa faseadamente. Certo é que sempre vieram os processos sinodais às igrejas locais, mas a escuta não era feita num âmbito alargado como é feita hoje. O Papa Francisco curiosamente foi sempre alargando o modo de escutar a base. De escutar a partir das pessoas e da Igreja particular. Agora este caminho faz-se ao longo de um ano na Igreja particular, depois a Igreja a nível nacional com a Conferência Episcopal faz uma proposta. Depois a nível continental, recuperamos aquilo que João Paulo II fez no contexto do ano 2000 em que se fizeram os sínodos continentais. E depois, sim, o sínodo propriamente dito” – disse o padre Sérgio Leal.

Igreja apaixonada por Deus e pelos homens e mulheres

Para o sacerdote neste momento em que “estamos a refazer o tecido social e eclesial” devido à pandemia, o caminho sinodal trará “rasgos novos para os tempos em que vivemos”. Fazendo Deus presente através da nossa disponibilidade.

“Acredito muito que este é um caminho que trará rasgos novos para os tempos em que vivemos. Estamos num contexto de pandemia. Não é de pós-pandemia é de pandemia ainda. Mas estamos a refazer o tecido social e eclesial. A pandemia não sei se trouxe grandes novidades, mas colocou a descoberto algumas das intuições que tínhamos e, se calhar, de realidades e dimensões que nós teimávamos em não reconhecer. Este caminho sinodal será também uma oportunidade da Igreja se re-situar na relação com Deus como um povo que quer caminhar à imagem da Santíssima Trindade na comunhão e unidade e na relação com o mundo. E é aqui que a Igreja deve caminhar sempre. Numa relação dialética entre a realidade concreta e a Palavra de Deus. E a sinodalidade será uma oportunidade ganha se enquanto Igreja no seu todo nos soubermos a caminhar no mundo escutando a Palavra de Deus e estabelecendo esta ponte. A Igreja tem de ser sinodal para que esta oportunidade seja ganha. Tem de ser verdadeiramente apaixonada pelo Deus que a convocou para a missão e verdadeiramente apaixonada pelos homens e mulheres que lhe estão confiados. E se esta paixão e amor estiverem presentes no coração daqueles que têm a missão como fiéis batizados de promover a ação da Igreja e se tivermos isto bem presente na nossa vida, então iremos querer que o mundo se aproxime de Deus e que Deus se faça presente no mundo pela disponibilidade que criamos para que Ele se faça presente” – afirmou.

Um átrio de fraternidade para todos

O desafio é fazer acolhimento num autêntico “átrio de fraternidade” para “depois ser capaz de integrar a todos na medida dos seus dons, capacidades e também limites e fragilidades” – referiu o padre Sérgio Leal.

“A Igreja do século XXI marcará a sua presença no mundo e a sua ação pelo modo como for capaz de acolher a todos. Ser um átrio de fraternidade onde se possa ver o Céu e o Céu nos possa ver a nós. Isto é, um lugar de paz e de comunhão, mas um lugar onde todos têm lugar, onde a diversidade promove a unidade. E naquelas indicações que o Papa deu na ‘Amoris Laetitia’: acolher, acompanhar e integrar. Esta capacidade de acolher a todos e acompanhar cada um de acordo com aquilo que ele é e daquilo que o Senhor o chama a ser. E depois ser capaz de integrar a todos na medida dos seus dons, capacidades e também limites e fragilidades. Isto marcará uma verdadeira igreja sinodal, que é uma igreja de todos, para todos, para juntos chegarmos a Deus” – declarou.

O risco de ser uma oportunidade perdida

Mas neste grande processo sinodal existem riscos. Desde logo, o risco da mobilização. Segundo o padre Sérgio Leal existe o perigo de esta ser uma oportunidade perdida.

“O risco é depois do Sínodo. Isto é, fizemos um longo caminho de escuta, fizemos um longo caminho de envolver a todos nas decisões, fazemos uma assembleia sinodal que quer colocar em conjunto para se encontrar as linhas orientadoras do caminho e depois isso não traz consequências práticas. Esse risco existe porque, de facto, muitas vezes as palavras-chave, os slogans que vão surgindo no contexto eclesial, correm o risco de serem inconsequentes. Estaremos de 2021 a 2023 a falar sobre sinodalidade. Se isto não gerar um novo modo de ser e de estar em Igreja nunca mais quereremos ouvir falar em sinodalidade. E mobilizar a todos para uma coisa que depois não tem um impacto concreto na vida da Igreja poderá ser uma oportunidade perdida” – disse o padre Sérgio Leal,

A Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos será em outubro de 2023, mas até lá há um longo caminho a percorrer nas fases diocesana e continental. Um caminho conjunto de comunhão, participação e missão. Para que mais do que “produzir documentos” seja possível “fazer florescer a esperança”.