
Na semana em que a Igreja celebra a festividade de São Francisco de Assis (1182-1226), vale a pena recordar, ainda que de forma muito sumária, a ardente fé eucarística que ele viveu e inculcou aos seus irmãos.
Por Secretariado Diocesano de Liturgia
Tomemos como referência documental a sua Primeira Exortação, sobre O Corpo de Cristo, que, segundo os editores das Fontes Franciscanas parece ter sido dirigida pelo Santo a todos os fiéis:
«Todos os que viram em nosso Senhor Jesus Cristo a sua humanidade, e não viram nem creram, segundo o Espírito Divino, que ele era o verdadeiro Filho de Deus, tiveram sentença de reprovação. Do mesmo modo, também agora têm sentença de reprovação todos os que veem o sacramento consagrado pelas palavras do Senhor, sobre o altar, por intermédio dos sacerdotes, mas não veem nem creem, segundo o Espírito Divino, que é de verdade o Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, conforme o atesta o Altíssimo, que diz: – Isto é o meu Corpo e o Sangue da Nova Aliança, que será derramado por muitos (Mc 14, 22. 24) E ainda: – Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue, tem a vida eterna (Jo 6, 55). Portanto, o que tem o Espírito do Senhor que habita nos seus fiéis, esse, sim, recebe o santíssimo Corpo e Sangue do Senhor. Os demais, que não partilham desse espírito e todavia presumem comungar, esses comem e bebem a sua condenação (1Cor 11, 20).
Por isso, ó filhos dos homens, até quando haveis de ser de coração duro? (Sl 4, 3). Porque não reconheceis a verdade, e acreditais no Filho de Deus? (Jo 9, 35). Eis que ele se humilha cada dia, como quando baixou do seu trono real (Sb 18, 15), a tomar carne no seio da Virgem; cada dia vem até nós em aparências de humildade; cada dia desce do seio do Pai, sobre o altar, para as mãos do sacerdote. E assim como aos santos Apóstolos se mostrou em carne verdadeira, assim agora se mostra a nós no pão sacramentado. Os Apóstolos com a sua vista corporal viam apenas a sua carne; mas, contemplando-o com olhos do espírito, acreditavam que ele era Deus. De igual modo, os nossos olhos de carne só veem ali pão e vinho; mas saiba a nossa fé firmemente acreditar que ali está, vivo e verdadeiro, o seu santíssimo Corpo e Sangue.
E é desta forma que o Senhor está sempre com os que creem nele, segundo ele mesmo prometeu: – Eis que estou convosco até à consumação dos séculos (Mt 28, 20).
A época histórica em que São Francisco viveu conheceu uma notável evolução da fé e da prática eucarística. Lembremos alguns factos a que São Francisco não podia estar alheio:
Os cátaros ou albigenses negavam a realidade da Eucaristia. Partindo de pressupostos maniqueus e gnósticos negavam que Cristo tivesse um corpo real. Sendo um ser espiritual, com uma humanidade aparente, que sentido podiam ter as palavras: «Isto é o meu Corpo»? Por conta deles circulavam inúmeros e fantasiosos argumentos contra a possibilidade da presença real.
Outro movimento herético, o dos Valdenses, negava a validade da Eucaristia quando celebrada por ministros indignos. Só que uma coisa é a licitude de uma celebração, outra, bem diferente, é validade da mesma. Uma coisa é trabalhar pela renovação da Igreja, como fez, por exemplo o Papa S. Gregório VII que apelava aos leigos a boicotar as celebrações eucarísticas de padres simoníacos; outra, bem diferente, é pôr em causa a fé da mesma Igreja na realidade da presença real. O iniciador do movimento Valdense foi Pedro Valdo, rico comerciante de Lyon, em França, que como Francisco renunciou a todos os seus bens e iniciou uma vida de pobreza dedicando-se à pregação, à difusão da Bíblia e à reforma da Igreja. Foi excomungado em 1184, quando Francisco de Assis tinha 2 anos…
Estes movimentos heréticos tinham grande difusão na época em que São Francisco começou a trabalhar no restauro da Igreja. Pensemos que Inocêncio III, o Papa que lançou uma cruzada contra os albigenses, foi o mesmo que deu a São Francisco a sua aprovação. O mesmo Papa impôs aos valdenses uma profissão de fé em que se professa que os sacramentos, mesmo quando celebrados por um ministro indigno e pecador, recebem a sua eficácia sobrenatural da ação e do poder invisível do divino Espírito Santo. Em relação à Eucaristia, deviam professar que o pão e o vinho, depois da consagração, são o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. Porque a presença de Cristo não depende do mérito do consagrante, mas das palavras do Criador e do poder do Espírito Santo. Na mesma profissão de fé é dito que só consagra validamente o presbítero regularmente ordenado por um Bispo e que, para a validade da Eucaristia, são requeridas 3 coisas: a pessoa certa – um presbítero regularmente ordenado por um Bispo –; as palavras solenes da consagração que constam do cânone da Missa; a reta intenção de quem as diz (cf. DS 794). A mesma doutrina será ratificada pelo concílio que prescreveu a obrigação de os fiéis se confessarem e comungarem, pelo menos, uma vez em cada ano – o IV Concílio de Latrão – em 1212.